terça-feira, 31 de março de 2009

Como formar leitores e escritores competentes:


Como formar leitores e escritores competentes


Luciana Cláudia de Castro Olímpio

Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA (Sobral, CE)


Uma das tarefas primordiais dos professores de Língua Materna – Língua Portuguesa – e, em especial, dos alfabetizadores é a formação do leitor e escritor competentes. Enfatizo a importância dos alfabetizadores, pois são eles os primeiros responsáveis pelo contato sistemático das crianças com a língua escrita.


Neste artigo, faço algumas reflexões sobre leitura, escrita e ortografia, na tentativa de sugerir estratégias que norteiem o professor para orientar o aluno na construção de uma escrita coerente e ortograficamente correta, como também na formação de uma leitura significativa, aquela que envolve a compreensão do sentido global do texto e ultrapassa a decodificação mecânica de palavra por palavra, letra por letra, que ao invés de ajudar, faz é atrapalhar.


Com esse objetivo, proponho alternativas de trabalhos com textos e didáticas para implantação tanto no ensino fundamental como para o ensino médio, baseadas nas idéias de Frank Smith ( “Compreendendo a Leitura”, fornecido pela biblioteca Vicente Martins), João Vadeley Geraldi (“Prática da Leitura na Escola”), Nadja da Costa R. Moreira ( “Orientações para o Ensino da Leitura”) e outros mais citados na bibliografia, em que enfatizam o desenvolvimento das habilidades de raciocínio de leitura e escrita.


Metodologia


A leitura e a escrita são processos comuns aos seres humanos desde muito tempo, apesar de terem sido durante alguns séculos proibidos para uns (caso das mulheres) e liberados para outros ( como é o caso da nobreza) . Depois da invenção das escolas, passou-se a ter a preocupação em ensinar com eficiência a ler e a escrever, tarefa não tão simples, pois até hoje, estudiosos e professores procuram esta tão sonhada fórmula para orientar bem o ensino de uma leitura crítica e uma escrita significativa.


E, antes de qualquer sugestão metodológica, é preciso conceituar, em cada momento da reflexão, leitura, escrita e ortografia sem trair a concepção dos autores estudados.Começarei com a leitura, um dos problemas mais preocupantes para os professores de Língua Portuguesa, já que os alunos, a cada dia, criam uma certa aversão à leitura.


Dentre os autores analisados apego-me a Geraldi (1999, p. 91) que afirma:“... a leitura é um processo de interlocução entre leitor / autor mediado pelo texto. Encontro com o autor, ausente, que se dá pela sua palavra escrita.”, ou seja, ler é interpretar e compreender o que o autor quer transmitir tanto nas linhas como nas entrelinhas.“O entendimento ou compreensão é a base da leitura e do aprendizado desta. (...) Aprendemos a ler, e aprendemos através da leitura, acrescentado coisas àquilo que já sabemos.” (Smith, 2003, p. 21)Baseada nas idéias de Smith, creio não trair o autor citado se disser que a leitura é uma atividade muito mais complexa do que a simples interpretação dos símbolos gráficos , de códigos, requer que o indivíduo seja capaz de interpretar o material lido, comparando-o à sua bagagem pessoal, ou seja, requer que o indivíduo matenha um comportamento ativo diante da leitura.


Para que isso aconteça, é necessário que haja maturidade para a compreensão do material lido, senão tudo cairá no esquecimento ou ficará armazenado na memória sem uso, até que se tenha condições cognitivas (conhecimento) para utilizar.Esta compreensão do texto, citado no parágrafo anterior, é um processo que se caracteriza pela utilização do conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao logo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento lingüístico, o textual, o conhecimento de mundo que o leitor consegue construir o sentido do texto.Os conhecimentos relacionados acima são importantes para uma leitura de qualidade, pois cada um tem uma função diante da leitura.


O conhecimento lingüístico abrange desde o conhecimento sobre pronunciar o português, passando pelo conhecimento de vocabulário e regras da língua, chegando até o conhecimento sobre o uso da língua. Já o conhecimento do texto refere-se as noções e conceitos sobre o texto (Quanto mais conhecimento textual o leitor tiver, quanto maior a sua exposição a todo tipo de texto, mais fácil será a sua compreensão). O outro conhecimento, o conhecimento de mundo, é adquirido informalmente, através das experiências, do convívio numa sociedade, cuja ativação, no momento oportuno, é também essencial à compreensão de um texto.Se estes conhecimentos não forem respeitados, o objetivo e aprendizagem da leitura não serão alcançados.


Isso acontece muito nas escolas, principalmente nas tradicionalistas. A maioria dos educadores de Língua Portuguesa, preocupados em seguir um plano didático, oferecem aos estudantes leituras de níveis bem superiores aos deles, proporcionando perplexidade dos mesmos diante do texto lido devido a incompreensão gerada por deficiência em algum conhecimento ou em todos citados acima.Cito, como exemplo do que foi exposto no parágrafo anterior, um trecho do ensaio: “Os brasileiros – uma nova interpretação”, de Roberto Pompeu de Toledo (Revista Veja, 03 de maio, 2006):“O presidente do INSS, Valdir Moysés Simão, disse ao Jornal Nacional, da Rede Globo, que foi ao ar na segunda-feira, que as filas nas unidades de atendimanto do órgão se devem a uma “questão cultural” . Seria um traço do povo brasileiro já tão arraigado na consciência coletiva que contra ele se esboroam as boas intenções das autoridades.


A frase completa foi: ‘Por uma questão cultural, o segurado tem receio e acaba chegando muito cedo...’”A compreensão do trecho acima pode ficar comprometida se o leitor não tiver um dos conhecimentos como o lingüístico, o textual ou o conhecimento de mundo, ou seja, se não entender o vocabulário ( como o significado das palavras arraigado ou esboroam) , nem o tipo de texto (como no caso se é ensaio ou artigo) e nem tão pouco se não souber o que é o INSS, ou seja conhecimento de mundo..Para amenizar as dificuldades de interpretação e compreensão de um texto, Smith (2003, p. 84) aconselha que a leitura seja rápida, seletiva e compatível ao que o leitor já sabe. Smith quis dizer que a leitura seja rápida e não descuidada, o leitor deve utilizar as informações não visuais (conhecimento prévio) para evitar ser confundido com uma leitura lenta, ou seja, uma leitura que busca muitas informações ao mesmo tempo, como vocabular, textual ou as informações implícitas.
Para se conseguir esta leitura rápida, seletiva e ao nível dos alunos, é preciso planejar antes, observar se os textos escolhidos realmente estão no nível dos educandos e a partir desse entendimento trabalhar com projetos.
Sabidos de que não é tão fácil de resolver este problema de dificuldades na leitura, proponho algumas condições que o professor de língua materna deve aceitar.


Um dos primeiros passos para um bom desenvolvimento da leitura é acabar com o pensamento de muitos educadores de que leitura é uma forma de castigo, tirando a idéia lúdica do ato de ler, como mostra Geraldi (1999, p. 97) “A fruição, o prazer, estão excluídos (...) A escola, reproduzindo o sistema e preparando para ele, exclui qualquer atividade não rendosa: lê-se um romance para preencher uma famigerada ficha de leitura, para se fazer uma prova ou até mesmo para se ver livre da recuperação.”

Deve-se entender que a leitura não deve ser uma apologia da dureza, da insensibilidade, da frieza, repressão e do medo. Esses atos podem transformar-se em efeitos colaterais catastróficos.


Pode até parecer absurdo, mas muitas escolas, principalmente as privadas, usam e abusam deste método tão condenável para quem realmente sabe o significado do que é ler, gosta e quer aprender ou ensinar a ler.


Além desta situação citada acima, ainda existe os vestibulares que apóiam, de forma indireta, e obrigam aos candidatos a lerem os livros selecionados pela comissão executiva do vestibular no intuito de saberem responder as perguntas da prova de seleção, que muitas vezes são mal elaboradas e que de certa forma duvidam da inteligência dos candidatos, além de mostrar que não é preciso ler a obra na íntegra para saber responder algumas perguntas, fazendo assim apologia à leitura de resumos comentados.
Como é o caso da prova de Língua Portuguesa, do vestibular da UVA (Universidade Estadual Vale do Acaraú) de 2005.2, em que na questão de número 06 (seis) pergunta-se qual o personagem principal da obra em questão).
Esta questão é totalmente contrária ao pensamento da leitura crítica.
Será que com tantas possibilidades de acesso as informações de livros, o aluno precisará ler a obra para ter esta informação?


Os professores de Língua Portuguesa trabalham leitura dentro e fora da sala de aula, na intenção de amenizar as dificuldades de ler.
E é com a interação de diversos métodos de trabalho como a roda de leitura, os encontros literários (obras literárias apresentadas em forma de paródias, poesias, literatura de cordel, apresentações teatrais), paráfrases, jogos de adivinhações literárias, além das reflexões, interpretações e compreensões de textos através de perguntas coerentes que levem o aluno a pensar e participar das aulas de uma forma lúdica que os docentes apostam na melhoria desse antigo problema.


São vários os métodos para se trabalhar leitura. Começarei esta apresentação com a roda de leitura, oficina muito interessante que dá oportunidade do aluno escolher uma obra dentre muitas selecionada pelo professor referente à escola literária estudada no momento (cerca de uns 30 livros).
Para trabalhar com a roda de leitura não é necessário usar somente obras literárias pode ser feita com textos mais curtos, como ensaios, contos, crônicas, entrevistas, textos jornalísticos etc.. Nesta oficina, o educando tem a oportunidade de se expressar, de apresentar o livro lido de uma maneira mais informal, com expressões próprias e com a ajuda de outros colegas que também tenham lido o mesmo texto.
A exposição dos discentes são seguidas de momentos de reflexões coordenadas pelo professor ou pelos outros alunos da sala. Este método além de proporcionar aprendizagem, também incentiva outros alunos a ler as obras apresentada.
Condemarín e Medina (2005, p. 45) afirmam que: “... Os círculos literários são discussões sobre literatura coordenadas pelo professor incluindo toda a classe, ou realizadas em pequenos grupos formadas por duplas. (...) Os alunos participam do diálogo para interpretar ou explicar o conteúdo.


Na medida em que dão atenção ao argumento, motivos e características dos personagens, aos conflitos que ocorrem dentro da história e suas soluções, eles constroem um amplo leque de significados que relacionam e ampliam suas próprias experiências.”Os encontros literários também fazem parte do processo do ensino de leitura e oportuniza ao professor a descobrir novos talentos.


As obras literárias são lidas em grupos e apresentadas em sala de aula através de paródias, literatura de cordel, poesias, seminários e peças teatrais.
Este trabalho pode ser implantado tanto com os alunos do Ensino Fundamental, como do Ensino Médio.
Os discentes lêem as obras selecionadas de acordo com o momento estudado na literatura e apresentam de forma lúdica aos outros colegas de sala ou até mesmo para alguns convidados.
Tem-se como exemplo um projeto elaborado pela professora de Língua Portuguesa, da Escola Wilebaldo Aguiar, de Massapê, aplicado nas segundas e terceiras séries do Ensino Médio, com o objetivo de os alunos aprenderem de forma mais prazerosa, os livros selecionado pelo professor.


Este projeto também foi aplicado com os livros do vestibular da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).Vejamos um exemplo de uma das apresentações, em forma de paródia, com o resumo de “Senhora”, de José de Alencar, aplicado na segunda série do Ensino Médio. A paródia é uma adaptação da música “Só hoje”, de Jota Quest.

Esta história aconteceu no Rio de Janeiro

Aurélia Camargo estava apaixonada

Era uma coisa normal

Seu grande amor era Fernando Seixas e por ele estava louca

Um amor que ninguém nunca viu

Que ninguém nunca viu

Decidiram então se casar

Depois de um tempo a abandonou

Atraído pelo dote de Adelaide Amaral

Aurélia decidiu logo se vingar de Seixas

Com uma herança inesperada

Do avô que ela recebera

Era preciso

A moça lhe ofereceu cem contos de réis

Se ele quisesse se casar

Viu a noiva só no dia do seu casamento

Aurélia mostrou o recibo da compra

Seixas pagou a dívida, limpando sua honra, com uma despedida

Mas se abraçaram loucamente e viveram felizes para sempre.

A paródia foi apresentada com a melodia de um violão e a ajuda dos alunos que acompanharam lendo a cópia da paródia distribuída pelo grupo.
Depois da apresentação, os alunos da equipe fizeram um estudo crítico e responderam as perguntas dos colegas de classe, do professor e dos convidados, transformando a sala de aula em um lugar de debates e discussões acerca do livro e do momento em que ele está inserido, fazendo muitas vezes uma comparação dos acontecimentos e temáticas da obras com os dias atuais.
Embora a paráfrase de obras literárias, principalmente os indicados pelos vestibulares e textos em geral, seja muito comum em livros didáticos e na Internet, este método continua sendo eficiente para ser trabalhado em sala de aula para que o professor possa observar se o aluno compreendeu o texto ou a obra lida.
De acordo com Condemarín e Medina (2005, p. 45): “Essa ação obriga os alunos a reorganizarem os elementos do texto de maneira pessoal, o que revela sua compreensão. A paráfrase proporciona mais informação sobre o que os alunos realmente pensam sobre a história do que quando se pede uma opinião geral a respeito desta.”O jogo de adivinhação é outra forma para ensinar leitura.
Através de perguntas e passagens importantes das obras lidas os alunos devem adivinhar a que obra pertence.Todas as estratégias de ensino da leitura são válidos, só basta que os professores saibam e transmitam aos alunos o real conceito, função e importância do saber ler para construir leitores críticos e participativos.
Um dos processos para este acontecimento é o docente avaliar de forma coerente a leitura dos alunos para obter resultado e saber ensiná-los com eficiência.
Além da leitura, tem-se a escrita que é uma das formas superiores de linguagem, requer que a pessoa seja capaz de conservar a idéia que tem em mente, ordenando-a numa determinada seqüência e relação, ou seja, planejar e esquematizar a colocação correta de palavras ou idéias no papel.
Este processo é um tanto complicado até mesmo para grandes escritores , quem dirá para nós, simples mortais.
Vejamos os versos do grande poeta do Modernismo brasileiro Carlos Drummond de Andrade.“Gastei uma hora pensando um verso que a pena não quer escrever no entanto ele está cá dentro Inquieto, vivo ele está cá dentro e não quer sair.
”No entanto escrever não é apenas uma questão de gramática, de morfologia ou de sintaxe, não é uma questão de executar, certo ou errado, determinados padrões lingüísticos.
Não é tão pouco formar frases, nem sequer juntá-las, por mais bem formadas que elas estejam.
Condemarín e Medina (2005, p. 63) firmam que:
“Escrever ou produzir um texto é um ato fundamentalmente comunicativo, assim, para aprender a escrever é necessário enfrentar a necessidade de comunicar algo em uma situação real, a um destinatário real, com propósitos reais.”Em outras palavras é ativar sentidos e representações já sedimentados que sejam relevantes num determinado modelo de realidade e para um fim específico; é antes de tudo, agir, atuar socialmente; é, nas mais diferentes oportunidades realizar atos convencionalmente definidos, tipificados pelos grupos sociais, atos normalizados, estabilizados em gêneros, com feição própria e definida.
É uma forma a mais de, tipicamente, externar intenções, de praticar ações, de intervir socialmente, de “fazer”, afinal.Para que ocorra o aprendizado da escrita é necessário que se compreenda a real função dela.
Função esta que é muitas vezes ignorada pelas escolas por elas terem o único objetivo de os alunos aprenderem redação.
Assim afirma Kaufman (1995, p. 51):“ O absurdo da escola tradicional é que se escreve nada para ninguém. Todo o esforço que a escola tradicional pede à criança é o de aprender a escrever para demonstrar que sabe escrever.” , um jornal da classe, um guia turístico; ou como parte de um projeto mais amplo. Por exemplo, uma carta ao gerente de uma indústria que se deseja visitar, um cartaz para anunciar uma O problema acima citado é comum nas escolas, mas é de fácil resolução. Uma das formas de buscar uma eficiente aprendizagem na escrita, é antes de o professor iniciar o ensino, planejar-se.
O planejamento é algo importante não só na escola como também na vida pessoal.
O objetivo do planejamento é de o educador levar em consideração o que os discentes sabem e o que eles ignoram, podendo assim formular projetos de escrita que incentivem os alunos a quererem produzir algo.“Um projeto de escrita pode ser concebido como um todo:
por exemplo, um livro de poemascompetição esportiva, etc.” (Condemarín e Medina, 2005, p. 65)Com o trecho acima enfatizo os benefícios dos projetos que contam com algum receptor dos materiais escritos, conhecidos e desconhecidos, mas leitor em potencial dos textos que serão produzidos, já que ninguém, fora dos muros escolares, escreve para ninguém.
Sempre há um destinatário.
Estes projetos têm como objetivo incentivar os alunos a melhorarem a escrita, pois conscientes de que dentro da escola os únicos destinatários são seus professores e seus pais, eles não têm uma real vontade para melhorar suas produções.
Muitos argumentam que o professor ou os pais entendem as letras deles, mesmo que o traçado não seja legível, que sabem que são fracos na ortografia e que quando não são claros no que escrevem os professores ou os pais perguntam.
Com a aplicação desses projetos, os textos escritos pelos alunos passam a ter um outro sentido e a partir disto eles começam a se preocupar tanto com o conteúdo como com a escrita e, conseqüentemente, melhoram a aprendizagem neste quesito.
Um outro ponto importante que o professor de Língua Portuguesa precisa saber é que ele é um educador do pensamento e da interioridade dos alunos, pois a função do professor de redação é de orientar o aluno através da leitura de textos ou contação de histórias que se relacionem aos temas dados em sala de aula para que eles desabrochem na escrita.
Por exemplo,
o educador pode solicitar que o aluno disserte um texto sobre a desigualdade social, e antes da produção ele pode ler a poesia “O bicho”, de Manuel Bandeira que relata a triste situação de alguns seres humanos.
O ato de escrever é uma atividade individual e solitária.
É o momento em que se fecham as portas do exterior e se abrem as portas do mundo interior para nele o indivíduo mergulhar.
Então, mesmo que o objetivo da escrita seja um acontecimento, algo relacionado a uma realidade basicamente física, é difícil para o discente escrever.
Isso por que a realidade interior somente adquire significado e organização a partir de uma realidade exterior sob o prisma da realidade interior.
Resumindo, se o aluno não tiver a ajuda do professor com leituras, debates ou discussões específicas a cada trabalho, ele, se não for acostumado a viver sós com os pensamentos e sensações, se não tiver um interior com idéias organizadas e concretas, possivelmente, ao se deparar com um tema e uma folha em branco, se perderá no emaranhado de suas idéias, pensamentos e sentimentos.
O mundo interior estará confuso e desorganizado e, consequentemente, não saberá qual caminho seguir e tão pouco como começar.
Como mais um exemplo deste trabalho de ajuda, destaco o projeto da professora Maria Margarida Simões Catali, ganhadora do Prêmio Victor Civita na categoria de Língua Portuguesa. Em 1999, ela explorou fábulas com seus alunos de 5ª série. Eles aprendiam detalhes dessa proposta narrativa enquanto refletiam sobre a própria conduta, a dos colegas e a da sociedade.
Lendo e interpretando “A Cigarra e a Formiga”, de La Fontaine, todos discutiam diversas morais possíveis para a história.
Depois, cada um produziu um texto defendendo seu ponto de vista.
A produção textual em grupo e o uso do borrão são maneiras eficientes de melhorar a escrita. O primeiro, através de debates com os colegas, ativa a idéia de quem tem dificuldade em produzir texto. Além de ser uma forma de um avaliar o texto do outro, indicando os erros ou melhorando passagens do que está escrito ou expressões.
Este trabalho estimula a leitura crítica e estabelece relações de ajuda recíproca entre eles, transformando-os em verdadeiros avaliadores.
O professor de Português pode criar uma ficha de avaliação para ajudar e orientar os alunos na prática da avaliação.
Os itens usados como elementos de uma ficha de auto-avaliação ou de avaliação em grupo pode ser modificada, de acordo com a vontade do professor ou o nível e vontade dos alunos.
Observemos abaixo um modelo de ficha de avaliação.
Escola:
Aluno= Autor:
Nº Série= Classe: O = Ótimo B = Bom R = Regular Ficha de Avaliação Aspectos Estéticos Aspectos Estilísticosa.
Legibilidade da letra a.
Repetição de palavras b.
Paragrafação b. Frases longasc.
Margens irregulares c.
Emprego de palavras desnecessárias d.
Travessão d.
Escrever como se estivesse falando e.
Ausência de rasuras Aspectos Estruturais,
Aspectos Gramaticais Este aspecto é diferenciado para cada redação, principalmente se os gêneros forem diferentes.
Esse é o aspecto principal da avaliação.a.
Ortografia b.
Acentuação c.
Concordância d.
Pontuação Obs:
Apontar os erros na redação do colega a lápis.
Antes de aplicar a ficha de avaliação, o professor deve exigir a elaboração do rascunho.
O aluno precisa saber o motivo da exigência e a utilidade do rascunho, pois tal fase é feita naturalmente pelo escritor, pelo jornalista, pelo pinto, pelo desenhista, pelo advogado e outros profissionais que dele necessitam para um bom resultado do trabalho.
Só os broncos e arrogantes dispensam o rascunho.
Precisa ficar bem claro para o aluno (são muitos os que não gostam de utilizar o borrão em suas tarefas de produção textual) que o rascunho não é apenas uma exigência chata do professor, assim como ele precisa saber usá-lo.
Se o discente mecanicamente passa do borrão para o texto definitivo, sem uma leitura crítica (sua ou de seu colega) ele de fato vai se tornar uma atividade enfadonha e não haverá possibilidade da observação dos erros ou da organização das idéias.
Como forma de educar o aluno para a feitura do rascunho, já que este procedimento é importante para o ensino-aprendizagem da escrita, é bom pedir para cada um entregá-lo a um colega para que os olhos estranhos procedam à revisão.
Quando o texto for feito em casa, pede-se para o aluno “deixar o texto dormir” , ou seja, só passar a limpo horas depois ou no dia seguinte.
Assim, ele ganhará distanciamento crítico e descobrirá os erros que seriam despercebidos caso passasse a produção textual a limpo imediatamente.
Tanto a aprendizagem da leitura como da escrita só terá um bom desenvolvimento, se o professor tiver o hábito de ler e de escrever, pois só assim ele será mais tolerante tanto na hora de avaliar as produções textuais dos alunos como também na hora de selecionar os textos para serem lidos.
Não dá para ensinar futebol sem nunca ter praticado o esporte.
Então?
Como ensinar a ler e escrever sem nunca ter lido ou redigido um texto na vida?
Uma outra dificuldade que envolve um bom desenvolvimento tanto da leitura como da escrita é a tão cobrada ortografia, ou seja, a escrita bonita.
E é por valorizar esta escrita bonita que muitos professores pecam ao avaliar os textos dos alunos, causando assim um grande desestímulo por parte dos mesmos e retardando o aprendizado não só da ortografia como também da escrita e da leitura.“Quando se considera em primeiro lugar os erros ortográficos ao avaliar o texto, sem antes dar atenção suficiente ao seu conjunto, provoca-se uma deterioração na relação do aluno com o ato de escrever revelando uma concepção limitada da escrita.
Nesse sentido, as excessivas correções ortográficas acabam levando o aluno a empobrecer seus escritos para evitar correr o risco de cometer muitos erros que serão sancionados pelo professor”. ( Condemarín e Medina, 2005, p. 67)A ortografia é importante dentro de um texto, mas não se deve fazer drama em cima dos erros ortográficos e sim a partir deles tentar ajudar os alunos.
São muitos os procedimentos para orientar os discentes para não escreverem errado.
Na hora do planejamento não colocar no plano mensal a ortografia exigida pelo plano anual para aquele dado mês, mas observar , através das produções textuais dos alunos os erros ortográficos mais repetidos. Assim, trabalhar-se-á as deficiências ortográficas mais necessárias a cada turma.
Além de se trabalhar a ortografia correta sem seguir um plano, apenas por exigência para aquela série, sem saber qual a real necessidade do aluno, pode-se chamar, dependendo do erro cada discente para uma conversa amigável, sem fazer escândalo com os erros, ou então comentá-los na lousa, sem dizer de quem são os erros, pois o objetivo deste método é evitar que outros cometam os mesmos erros e não constranger o aluno.


Esses comentários devem ser feitos de forma bem natural para que os alunos aprendam ao invés de ficarem tensos ou de zombarem dos que erraram.
A leitura e a escrita são muito importantes na aprendizagem da ortografia, pois quanto mais o aluno ler e produz texto, mais ele entra em contato com as palavras e consequentemente aprende, sem a imposição ou os recadinhos, muitas vezes negativos, de certos professores tradicionalistas que acabam desmotivando o aluno não só a deixar de produzir os textos por acharem que não sabem escrever, como também de perderem a oportunidade de aprender a escrever corretamente.


Como forma de ensinar ortografia aos alunos é transformar estas aulas em algo prazeroso.
Uma dica é fazer dinâmica em sala de aula ou fora dela.
Vejamos um exemplo de uma ótima aula de ortografia em que os alunos aprendem sem muita cobrança. Este método pode ser aplicado tanto para os alunos do Ensino Fundamental como para o Ensino Médio.


Primeiro passo: Dividir os alunos em grupos.


Segundo passo: Colocar várias palavras de um mesmo trabalho ortográfico ( como por exemplo: s, ss, sc, xc. ç ) e dividir em colunas na quantidade de grupos.


Terceiro passo: Pedir para um aluno de cada grupo escolhido, depois de uma observação em grupo, ir até o quadro e preencher os espaços em branco referente ao seu grupo.


Quarto passo: Após o término da atividade, os próprios alunos observarão se as palavras estão escritas corretamente ou erradas. Caso estejam erradas justificar o erro e consertar.


Esta atividade proporciona um debate em sala de aula e o aluno aprende de forma mais agradável e menos enfadonha, diminuindo as dificuldades na aprendizagem ortográfica.Conclusão Para Condemarín e Medina (2005, p. 67) “A ortografia não constitui um aspecto separado do conjunto do texto; ao contrário, para que os alunos avancem em suas competências ortográficas, é necessário que considerem o conjunto do que escreverem, dado que muitas vezes os erros ortográficos decorrem de uma má percepção dos aspectos pragmáticos, semânticos e morfossintáticos do texto...”


Resumindo, sem contrariar as idéias do escritor escolhido, a ortografia, a leitura e a escrita estão interligados, ou seja, para aprender a ler, precisa-se da ortografia, para aprender a escrever, precisa-se da leitura e da ortografia e assim sucessivamente.


As dificuldades na leitura, na escrita ou na ortografia só irão melhorar quando boa parte dos professores de Língua Portuguesa, preocuparem-se com o verdadeiro aprendizado do aluno e deixarem um pouco de lado os planos que não são compatíveis aos níveis dos discentes.


Referências Bibliográficas

CONDEMARÍN, Mabel; MEDINA, Alejandra. Avaliação Autêntica:
um meio para melhorar as competências em linguagem e comunicação.
Tradução de Fátima Murad.
Porto Alegre: Artmed, 2005GERALDI, João Vanderley (org).
O texto na sala de aula. 3ª ed. São Paulo. Ática, 1999.
KAUFMAN, Ana Maria Rodriguez. Escola, Leitura e Produção de Textos.
Tradução Inajara Rodrigues.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1995MOREIRA, Nadja da Costa Ribeiro.
Orientações para o ensino da leitura.
Revista de letras, nº 07 (1/2) UFCSMITH, Frank.
Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do aprender a ler.
4ª ed. Tradução de Daise Batista.
Alegre: Artmed, 2003Luciana Cláudia de Castro Olímpio é professora da rede estadual de ensino do Estado do Ceará.
Graduada e pós-graduada em Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, sob a orientação do professor Vicente Martins.

Joao Beauclair
Publicado em 12/02/2009 às 11h07

As fases do desenvolvimento da linguagem escrita

As fases do desenvolvimento da linguagem escrita

As fases do desenvolvimento da linguagem escritaJanieri de Sousa OliveiraMaria de Lourdes da RochaConceição Elane A linguagem das crianças intriga lingüistas e estudiosos do assunto.
Sendo assim crianças do século XII, por exemplo, apesar de crianças como as de hoje não brincavam com os mesmos brinquedos, nem sentiam, nem pensavam, nem se vestiam como as crianças de hoje.
E, certamente as crianças deste século terão características muito diferentes das de hoje. É interessante que assim surge um questionamento: se as crianças de antigamente eram diferentes das de hoje certamente as de amanhã também serão.
Por que é então interessante estudar a infância se esta muda?
Na tentativa de responder a essa questão surgiram muitas teorias.

Segundo Maingueneau “a aquisição da linguagem tenta explicar entre outras coisas o fato de as crianças, por volta dos 3 anos, serem capazes de fazer o uso produtivo - de suas línguas”.
Com base nisso tentarei aqui expor alguns pontos importantes de aquisição da linguagem pela criança.
Desde pequenos já existe a comunicação, mas esta não é feita por meio oral.

A linguagem é um sistema de símbolos culturais internalizados, e é utilizada com o fim último de comunicação social.
Assim como no caso da inteligência e do pensamento, o seu desenvolvimento passa também por períodos até que a criança chegue a utilização de frases e múltiplas palavras.
Ao nascer, a criança não entende o que lhe é dito.

Somente naos poucos começa a atribuir um sentido ao que escuta. Do mesmo modo acontece com a produção da linguagem falada. O entendimento e a produção da linguagem falada evoluem. Existem diferentes tipos de linguagem:
a corporal, a falada, a escrita e a gráfica.

Para se comunicar a criança utiliza, tanto a linguagem corporal ( mímica, gestos, etc.) como a linguagem falada.
Lógico que ela ainda não fala, mas já produz linguagem.
Vamos ver como! O desenvolvimento da linguagem se divide em dois estádios:
pré – lingüístico, quando o bebê usa de modo comunicativo os sons, sem palavras ou gramática; e o lingüístico, quando usa palavras.

No estádio pré – lingüístico a criança, de princípio, usa o choro para se comunicar, podendo ser rica em expressão emocional.

Logo ao nascer este choro ainda é indiferenciado, porque nem a mãe sabe o que ele significa, mas aos poucos começa a ficar cheio de significados e é possível, pelo menos para a mãe, saber se o bebê está chorando de fome, de cólica, por estar se sentindo desconfortável, por querer colo etc.

É importante ressaltar que é a relação do bebê com sua mãe, ou com a pessoa que cuida dele, que lhe dá elementos para compreender seu choro.
Além do choro, a criança começa a produzir o arrulho, que é a emissão de um som gutural, que sai da garganta, que se assemelha ao arrulho dos pombos.

O balbucio ocorre de repente, por volta dos 6-10 meses, e caracteriza – se pela produção e repetição de sons de consoantes e vogais como “ma – ma – ma – ma”, que muitas vezes é confundido com a primeira palavra do bebê.

No desenvolvimento da linguagem, os bebês começam imitando casualmente os sons que ouvem, através da ecolalia. Por exemplo: os bebês repetem repetidas vezes os sons como o “da – da – da”, ou “ma – ma – ma – ma”. Por isso as crianças que tem problema de audição, não evoluem para além do balbucio, já que não são capazes de escutar.
Por volta dos 10 meses, os bebês imitam deliberadamente os sons que ouvem, deixando clara a importância da estimulação externa para o desenvolvimento da linguagem.
Ao final do primeiro ano, o bebê já tem certa noção de comunicação, uma idéia de referência e um conjunto de sinais para se comunicar com aqueles que cuidam dele. O estádio lingüístico está pronto para se estabelecer.
Sendo assim, contando com a maturação do aparelho fonador da criança e da sua aprendizagem anterior, ela começa a dizer suas primeiras palavras.

A fala lingüística se inicia geralmente no final do segundo ano, quando a criança pronuncia a mesma combinação de sons para se referir a uma pessoa, um objeto, um animal ou um acontecimento.
Por exemplo,
se a criança disser apo quando vir a água na mamadeira, no copo, na torneira, no banheiro etc., podemos afirmar que ela já esta falando por meio de palavras.

Espera – se que aos 18 meses a criança já tenha um vocabulário de aproximadamente 50 palavras, no entanto ainda apresenta características da fala pré – lingüística e não revela frustração se não for compreendida.

Na fase inicial da fala lingüística a criança costuma dizer uma única palavra, atribuindo a ela no entanto o valor de frase. Por exemplo, diz ua, apontando para porta de casa, expressando um pensamento completo; eu quero ir pra rua.
Essas palavras com valor de frases são chamadas holófrases.
A partir daqui acontece uma “explosão de nomes”, e o vocabulário cresce muito.

Aos 2 anos espera – se que as crianças sejam capazes de utilizar um vocabulário de mais de cem palavras.
Entre os 2 e 3 anos as crianças começam a adquirir os primeiros fundamentos de sintaxe, começando assim a se preocupar com as regras gramaticais.

Usam, para tanto, o que chamamos de super – regularização, que é uma aplicação das regras gramaticais a todos os casos, sem considerar as exceções.
É por isso que a criança quer comprar “pães”, traze – los nas “mães”. Aos 6 anos a criança fala utilizando frases longas, tentando utilizar corretamente as normas gramaticais.

Chomsky defende a idéia de que a estrutura da linguagem é, em grande parte, especificada biologicamente (nativista).

Skinner afirma que a linguagem é aprendida inteiramente por meio de experiência (empirista).

Piaget consegue chegar mais perto de uma compreensão do desenvolvimento da linguagem que atenda melhor a realidade observada.
Segundo ele tanto o biológico quanto as interações com o mundo social são importantes para o desenvolvimento da linguagem (interacionista).

Dentro da óptica interacionista, da qual Piaget é adepto, o aparecimento da linguagem seria decorrência de algumas das aquisições do período sensório – motor, já que ela adquiriu a capacidade de simbolizar ao final daquele estádio de desenvolvimento da inteligência.
Soma – se a isso a capacidade imitativa da criança.
As primeiras palavras são intimamente relacionadas com os desejos me ações da criança.

O egocentrismo da criança pré – operatório também se faz presente na linguagem que ela exibi. Desse modo, ela usa frequentemente a fala egocêntrica, ou privada, na qual fala sem nenhuma intenção muita clara de realmente se comunicar com o outro, centrada em sua própria atividade.

É como se a criança falasse em voz alta para si mesma. Contudo ela também usa a linguagem socializada, que tem como objetivo se fazer entendida pelo interlocutor.

Já de acordo com Vygostisky “não basta apenas que a criança esteja ‘exposta’ à interação social, ela deve estar ‘pronta’, no que se refere à maturação, desenvolver o (s) estágio (s) para compreender o que a sociedade tem para lhe transmitir: • sensório – motor, de 0 a 18/24 meses, que precede a linguagem; • pré – operatório, de 1;6/2 anos a 7/8 anos, fase das representações, dos símbolos; • operatório – concreto, de 7/8 a 11/12 anos, estágio da construção da lógica; • operatório – formal, de 11/12 anos em diante, fase em que a criança raciocina, deduz, etc. “ Para fazer uma síntese do que torna fácil ou difícil de aprender para a criança, apresentamos o quadro abaixo: A LÍNGUA É FÁCIL QUANDO A LÍNGUA É DIFÍCIL QUANDO é real e natura é artificial é integral é dividida em pedaços
Faz sentido não faz sentido
É interessante
É chata e desinteressante
Faz parte de um acontecimento social
Esta fora de um contexto
Tem utilidade social
Não possui valor social
Tem propósito para a criança, não tem finalidade para a criança
A criança a utiliza por opção
É imposta por outra pessoa
Após essas considerações esperamos ter ajudado a compreender um pouco mais da complexidade que é o mundo da fala infantil.
Conclusão seria importante apenas ressaltar o quanto os estudos contribuíram para as diferentes contribuições no âmbito dos estudos da fala infantil.

O quanto as crianças conseguem antes mesmo de 1 ano transmitir a noção de fala. Bem como todo o processo vivido por ela no intervalo de tempo de zero a 6 anos.
É digno de nota as idéias de Chomsky, Piaget e Skinner, bem como Vygostisky que muito contribuíram para o aperfeiçoamento de nosso estudo.

Esperamos que o referido artigo possa contribuir para aprofundamento de estudos nesse assunto.
Referências Bibliográficas SAMPAIO,
Fátima Silva.
Linguagem na Educação Infantil.
Fortaleza, SEDUC, 2003 pp. 12 – 18. FARIAS, Maria Cílvia Queiroz.
Linguagem na Educação Infantil. Fortaleza, SEDUC, 2003 pp. 12 – 18.
FROTA, Ana Maria Monte Coelho.

Formação de educadores infantis Desenvolvimento Infantil: a criança de 0 a 6 anos.
IMEPH pp. 19 – 21.
DEL RÉ, Alessandra.
Aquisição da Linguagem.
São Paulo, 2006. pp. 13 – 44.
Janieri de Sousa Oliveira, Maria de Lourdes da Rocha e Conceição Elane fazem parte do Grupo de Estudos Lingüísticos e Sociais(GELSO), coordenado pelo professor Vicente Martins, da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Ceará.

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segunda-feira, 30 de março de 2009

John Locke



John Locke e a fundação do empirismo crítico

1. A vida e as obras de Locke
O empirismo, que em Bacon e em Hobbes constitui um componente essencial, mas entrelaçado com outros componentes e por eles delimitado (em Bacon, é circunscrito predominantemente à temática do experimento científico, ao passo que em Hobbes é fortemente condicionado pela teoria materialista-corporeísta), assume a sua primeira formulação paradigmática, metodológica e criticamente consciente na obra de Locke.

John Locke nasceu em Wrington (nas proximidades de Bristol) em 1632 (no mesmo ano em que também nasceu Spinoza).
Estudou na Universidade de Oxford, onde conseguiu o título de Master of Arts em 1658 e onde ensinaria (na qualidade de tutor) grego e retórica e se tornaria censor da filosofia moral.

Ficou muito descontente com o ensino de filosofia que recebeu em Oxford, que ele julgou "um peripatetismo recheado de palavras obscuras e de inúteis pesquisas".
Esse peripatetismo escolástico nada mais fazia além de se divertir com sutis distinções, multiplicando-as ao inverossímil.
Por isso, é perfeitamente compreensível que ele tenha procurado satisfazer as exigências concretas do seu espírito em outros campos, estudando medicina, anatomia, fisiologia e física (sofreu notáveis influências do físico R. Boyle), além de teologia.
Não conseguiu nenhum título acadêmico em medicina, mas passou a ser chamado de "doutor Locke" pela competência que adquiriu nessa matéria.

Em 1668, foi nomeado membro da prestigiosa Royal Society de Londres, na qual Hobbes não fôra admitido por causa das polêmicas e das fortes divisões suscitadas por suas teses de fundo.
O ano de 1672 marca reviravolta muito importante na vida de Locke: com efeito, nesse ano ele tornou-se secretário do lorde Ashley Cooper, chanceler da Inglaterra e conde de Shaftesbury, passando a se ocupar ativamente dos negócios políticos.

Entre 1674 e 1689, em conseqüência de suas opções políticas, a vida de Locke foi arrastada por uma série vertiginosa de acontecimentos, destinados a deixar marcas indeléveis em seu espírito.
Em 1675, logo depois da queda de lorde Shaftesbury, Locke viajou para a França, onde travou conhecimento com o cartesianismo. De 1679 a 1682, esteve novamente ao lado de lorde Shaftesbury, que havia conseguido reconquistar as posições políticas perdidas.
Mas, em 1682, lorde Shaftesbury foi envolvido na conjura do duque de Monmouth contra Carlos II e teve que se refugiar na Holanda, onde morreu.
No ano seguinte, Locke também teve que deixar a Inglaterra para refugiar-se na Holanda, onde trabalhou ativamente nos preparativos para a expedição de Guilherme de Orange.

Em 1689, Guilhermees do regime de monarquia parlamentar, pela qual Locke sempre se havia batido. E assim, voltando a Londres, ele pôde colher os louros merecidos do sucesso.
Foram-lhe oferecidos cargos e honrarias. Sua fama espalhou-se por toda a Europa.
Entretanto, ele recusou as ofertas que mais exigiam dele para poder se concentrar predominantemente em sua atividade literária.

Em 1691, transferiu-se para o castelo de Oates (em Essex), como hóspede de sir Francis Masham e de sua mulher Damaris Cudworth (filha do filósofo Ralph, de que falaremos adiante), onde morreu em 1704.

A obra-prima de Locke é constituída pelo imponente Ensaio sobre o intelecto humano, publicado em 1690, depois de uma gestação que durou cerca de vinte anos.
No ano anterior, ele havia publicado a Epístola sobre a tolerância.
No mesmo ano do Ensaio, foram publicados também os Dois tratados sobre o governo.
Em 1693, saíram os Pensamentos sobre a educação, e, em 1695, A racionalidade do cristianismo.
Alguns de seus escritos foram publicados postumamente, entre os quais revestem-se de particular importância as Paráfrases e notas das epístolas de são Paulo aos Gálatas, aos Coríntios, aos Romanos e aos Efésios e o Ensaio para a compreensão das epístolas de são Paulo.

Foram três os interesses principais de Locke:
a) o gnosiológico, do qual brotou o Ensaio;
b) o ético-político, que encontrou expressão (além de sua própria militância política prática) nos escritos dedicados a esse tema;
c) o religioso, campo no qual a atenção do nosso filósofo se concentrou sobretudo nos últimos anos de sua vida (a esses podemos acrescentar, mas numa dimensão menor, um quarto interesse, de caráter pedagógico, que encontrou expressão nos Pensamentos sobre a educação).

São esses os pontos que examinaremos agora, começando pelo primeiro, que é de longe o mais importante.

2. O problema e o programa do Ensaio sobre o intelecto humano
Bacon escrevera que "introduzir um uso melhor e mais perfeito do intelecto" constitui uma necessidade imprescindível e procurara satisfazer parcialmente essa necessidade do modo como já vimos. Locke faz seu esse programa, desenvolvendo-o e levandoo à sua perfeita maturação.
Para o nosso filósofo, porém, não se trata de examinar o emprego do intelecto humano relativamente a alguns setores ou âmbitos do conhecimento, mas sim o próprio intelecto, suas capacidades, suas funções e seus limites.
Não se trata, portanto, de examinar os objetos, mas sim de examinar o próprio sujeito.
Desse modo, o centro do interesse da filosofia moderna vai se especificando sempre melhor, ao mesmo tempo em que vai se delineando cada vez mais claramente o caminho que levará, como meta final, ao criticismo kantiano: o objetivo é o de conseguir estabelecer a gênese, a natureza e o valor do conhecimento humano, particularmente o de definir os limites dentro dos quais o intelecto humano pode e deve se mover e quais são as fronteiras que ele não deve ultrapassar, ou seja, quais são os âmbitos que lhe estão estruturalmente fechados.

Eis como Locke narra a gênese do seu Ensaio, na Epístola ao leitor que lhe serve de introdução: "Se fosse o caso de enfadar-te com a história deste Ensaio, poderia dizer-te que cinco ou seis amigos, reunidos em meu quarto, que discutiam sobre tema bastante remoto do aqui tratado, encontraram-se em dado momento em ponto morto, por causa das dificuldades que surgiam de todos os lados.
Depois de nos termos descabelado um pouco, sem nos aproximarmos mais da solução daquelas dúvidas que nos deixavam perplexos, aconteceu-me de pensar que estávamos em caminho errado: que, antes de iniciar investigações daquela natureza, era necessário examinaras nossas capacidades para ver que objetos o nosso intelecto estava ou não em condições de tratar.
Propus essa questão aos presentes, que prontamente concordaram, acertando-se então que essa seria a nossa primeira investigação.
Alguns pensamentos apressados e mal digeridos, sobre um tema que eu nunca havia considerado antes, mas que anotei para a nossa próxima reunião, formaram a primeira introdução a este discurso, que, tendo sido iniciado por acaso, foi continuado por solicitação de meus amigos, escrito aos pedaços desconexos, desleixado por longos períodos e depois retornado ao sabor dos meus humores e oportunidades e, por fim, durante umas férias solitárias tiradas por motivo de saúde, finalmente colocado na ordem em que agora o estás vendo."

E eis como, com plena consciência crítica, a intenção geral do Ensaio e da nova filosofia lockiana se expressa na Introdução, que é peça chave de toda a obra: "Conhecendo a nossa força, saberemos melhor o que empreender com alguma esperança de sucesso.
E, quando houvermos bem examinado os poderes do nosso espírito e feito uma avaliação do que podemos esperar dele, não seremos mais propensos a ficar quietos, sem lançar o nosso pensamento à obra, perdendo a esperança de conhecer alguma coisa, nem, por outro lado, a pôr tudo em dúvida e ignorar todo conhecimento porque algumas coisas não podem ser compreendidas.
É de suma utilidade para o marinheiro conhecer o comprimento de suas cordas, ainda que com elas não possa sondar todas as profundidades do oceano.
Mas é bom que ele saiba que elas são bastante longas para alcançar o fundo naqueles lugares que são necessários para a sua viagem e para avisá-lo dos escolhos que poderiam arruinar a nave.
A nossa função aqui não é a de conhecer todas as coisas, mas somente aquelas que dizem respeito à nossa conduta.
Se pudermos descobrir aquelas medidas através das quais uma criatura racional, colocada no estado em que o homem se encontra neste mundo, pode e deve governar as suas opiniões e ações que delas dependem, não devemos nos perturbar se outras coisas escapam ao nosso conhecimento.
Foi isto o que, desde o inicio, deu lugar a este Ensaio sobre o intelecto.
Com efeito, eu pensava que o primeiro passo para satisfazer várias investigações que o espírito do homem costuma empreender era o de fazer uma inspeção do nosso intelecto, examinar os nossos poderes e ver para que coisas eles são aptos.
Enquanto não houvéssemos feito isso, suspeitava que estávamos começando pelo lado errado e que procurávamos em vão a satisfação de uma tranqüila e segura posse das verdades que eram mais caras ao nosso coração, enquanto deixávamos os nossos pensamentos em liberdade no vasto oceano do Ser, como se toda aquela extensão ilimitada fosse uma posse natural e indubítável do nosso intelecto, onde nada escapasse às suas decisões e à sua compreensão.
Assim, não é de surpreender que os homens, estendendo as suas investigações para além de suas capacidades e deixando seus pensamentos vagarem naquelas profundidades em que não têm mais pé, levantem questões e multipliquem disputas que, visto nunca chegarem a uma clara solução, servem somente para conservar e aumentar as suas dúvidas, confirmando neles perfeito ceticismo.
Uma vez bem considerada a capacidade do nosso intelecto, descoberta a extensão do nosso conhecimento e identificado o horizonte que estabelece o limite entre as partes iluminadas e as partes escuras das coisas, entre aquilo que é e aquilo que não é compreensível para nós, talvez os homens aceitem com menores escrúpulos a ignorância declarada de um e utilizem seus pensamentos e discursos com maior benefício e satisfação no outro."

Vejamos, portanto, como é que Locke realiza esse seu exigente programa.

Do pensamento humano é a idéia.
A tese mais destacada de Locke é a de que as idéias derivam da experiência e que, por isso, a experiência é o limite intransponível de todo conhecimento possível."

Portanto, a tradição empirista inglesa e a "idéia" cartesiana são os componentes de cuja síntese nasce o novo empirismo lockiano.

Mas, antes de penetrar no âmago do problema, é oportuno fazer algumas observações sobre esse termo, que tem história gloriosa.
Nós h3. O empirismo lockiano como síntese das instâncias do empirismo inglês tradicional e das instâncias do racionalismo cartesiana: o princípio da experiência e a crítica do inatismo
Nicolau Abbagnano, na Introdução à tradução do Ensaio lockiano (feita por sua mulher Mariana, já citada), resume perfeitamente os termos do problema, do seguinte modo: "O Ensaio sobre o intelecto humano de Locke apresenta-se como uma análise dos limites, das condições e das possibilidades efetivas do conhecimento humano.
Tal análise parece buscar inspiração na antiga tradição empirista da filosofia inglesa, tradição que, a partir de Roger Bacon e Ockham, através de uma série ininterrupta de pensadores menores, vai até Bacon de Verolme e Hobbes.
Nessa orientação básica, Locke inseriu alguns pontos destacados da filosofia cartesiana, sobretudo o princípio de que o único objeto oje usamos comumente o termo "idéia" na acepção que Descartes e Locke consagraram, caindo facilmente no erro de crer que essa seja a única e óbvia acepção desse termo.
Entretanto, ela constitui o ponto de chegada de um debate metafísico e gnoseológico iniciado por Platão (e, em certos aspectos, ainda antes), continuado por Aristóteles e, depois, pelos medioplatônicos, os neoplatônicos, os Padres da Igreja, os escolásticos e alguns pensadores renascentistas.

O termo "idéia" é resultado da transliteração de termo grego que significa "forma" (sinônimo de eidos), particularmente (de Platão em diante) forma ontológica, significando portanto uma "essência substancial" e um "ser" e não um "pensamento".
Na fase final do platonismo antigo, as Idéias tornam-se "pensamentos do supremo Intelecto" e, portanto, paradigmas supremos, nos quais coincidem ser e pensamento, vale dizer, paradigmas metafísicos.
Os debates sobre o problema dos universais e as diversas soluções propostas abalaram fortemente a antiga concepção platônica, abrindo caminho para proposições radicalmente novas.
A escolha cartesiana do termo "idéia" para indicar um simples conteúdo da mente e do pensamento humano marca o total esquecimento da antiga problemática metafísica da Idéia e o advento de uma mentalidade completamente nova, que Locke contribui para impor definitivamente.

Eis o que o nosso filósofo escreve em sua Introdução ao Ensaio: "Devo pedir vênia ao meu leitor pelo uso freqüente que faço da palavra idéia, que ele encontrará neste tratado. Creio que esse é o termo que melhor serve para representar qualquer coisa que é objeto do intelecto quando o homem pensa. Portanto, eu o usei para expressar tudo aquilo que pode ser entendido por imagem, noção, espécie ou tudo aquilo em torno do qual o espírito pode ser utilizado no pensar. ( ... )"
Mas a concordância com Descartes se rompe no momento em que se trata de estabelecer "de que modo essas idéias vêm ao espírito".
Descartes havia-se alinhado em favor das idéias inatas (cf. acima, pp. 370 ss). Locke, ao contrário, nega qualquer forma de inatismo e procura demonstrar, de modo sistemático e com pormenorizada riqueza analítica, que as idéias derivam sempre e somente da experiência.

Por conseguinte, é a seguinte a tese de Locke:
1) não existem idéias nem princípios inatos;
2) nenhum intelecto humano, por mais forte e vigoroso que seja, é capaz de forjar ou inventar (ou seja, criar) idéias, bem como não é capaz de destruir aquelas que existem;
3) conseqüentemente, a experiência constitui a fonte e, ao mesmo tempo, o limite, ou seja, o horizonte, ao qual o intelecto permanece vinculado.

A crítica ao "inatismo", portanto, é considerada por Locke como ponto fundamental de qualificação. Por isso, dedica-lhe todo o primeiro livro do Ensaio.

1) A posição dos inatistas que Locke critica não é somente a dos cartesianos, mas também as posições de Herbert de Cherbury (1583-1648),
dos platônicos ingleses da escola de Cambridge (Benjamim Wichcote, 1609-1683;
John Smith, 1616-1652;
Henry More, 1614-1687;
Ralph Cudworth, 1617-1688) e, em geral, de todos aqueles que, sob qualquer forma, sustentam a presença na mente de conteúdos anteriores à experiência, nela impressos desde o primeiro momento de sua existência.

Locke recorda que o ponto básico ao qual se referem os defensores do inátismo das idéias e dos princípios (teóricos ou práticos) é o "consenso universal" de que ambos desfrutam junto a todos os homens.

E os argumentos de fundo em que Locke se apóia para refutar essa prova são os seguintes:
a) O "consenso universal" dos homem sobre certas idéias e certos princípios (considerado, mas não concedido que exista) poder-se-ia explicar também sem a hipótese do inatismo, simplesmente mostrando que existe outro modo de chegar a ele.

b) Mas, na realidade, o pretenso consenso universal não existe, como fica evidente no fato de que as crianças e os deficientes não têm de modo algum consciência do princípio de identidade e de não-contradição, nem dos princípios éticos fundamentais.

c) Para escapar a essa objeção seria absurdo sustentar que as crianças e os deficientes têm esses princípios de forma inata, mas não são conscientes disso. Com efeito, é absurdo dizer que há verdades impressas na alma, mas que elas não são percebidas, posto que sempre coincidem a presença de um conteúdo na alma e a consciência dessa presença. E escreve Locke:
"Dizer que uma noção está impressa no espírito e, ao mesmo tempo, dizer que o espírito é ignorante dela e até agora nunca se apercebeu dela significa tornar essa impressão nula. Não se pode dizer de nenhuma proposição que ela esteja no espírito quando o espírito nunca a conheceu ou nunca teve consciência dela."

d) A afirmação de que existem princípios morais inatos é desmentida pelo fato de que alguns povos se comportam exatamente ao contrário daquilo que tais princípios postulariam, ou seja, praticando ações que para nós são celeradas sem experimentar remorso algum, o que significa que eles consideram o seu comportamento como não sendo de modo algum celerado e sim como perfeitamente lícito. Ilustrando essa tese, Locke abunda em descrições e exemplificações muito variadas, pitorescas e eficazes, concluindo: "E, se olharmos em torno de nós para veros homens tais como eles são, veremos que, em determinado lugar, eles têm remorsos por terem feito ou então deixado de fazer aquilo que, em outro lugar, as pessoas acham meritório."

e) Nem da própria idéia de Deus pode-se dizer que todos a possuem, porque há povos que "não têm sequer um nome para designar Deus, não possuindo religião nem culto."

2) Poder-se-ia levantar a hipótese de que, mesmo não as contendo em forma inata, o intelecto poderia "criar" as idéias ou, se assim se preferir, poderia "inventá-las". Mas a hipótese e categoricamente excluída por Locke. O nosso intelecto pode combinar de vários modos as idéias que recebe, mas não pode de modo algum dar-se a si próprio as idéias simples, como também não pode, desde que as tenha, destruí-Ias, aniquilá-las ou apagá-las, como já foi dito. Escreve Locke: "Nem mesmo o gênio mais elevado ou o intelecto mais vasto, por mais vivo e variado que seja o seu pensamento, tem o poder de inventar ou forjar uma só idéia simples nova no espírito, que não seja apreendida dos modos já mencionados, como também não pode a força do intelecto destruir as idéias que já existem.
O domínio do homem sobre esse pequeno mundo do seu intelecto é mais ou menos o mesmo que ele tem sobre o grande mundo das coisas visíveis, onde o seu poder, mesmo exercido com arte e habilidade, nada mais consegue além de compor e dividir os materiais que estão à disposição, mas nada pode fazer para fabricar a mínima partícula de matéria nova ou para destruir um átomo sequer daquela que já existe.
Quem quer que tente forjar em seu intelecto uma idéia simples não recebida de objetos externos através dos sentidos ou da reflexão sobre as operações do seu espírito encontrará em si essa mesma incapacidade.
Gostaria que alguém procurasse imaginar um gosto que nunca tenha sido experimentado por seu paladar ou fazer uma idéia de algum perfume cujo odor nunca tenha sentido: quando puder fazê-lo, eu estarei pronto a concluir que um cego pode ter idéia das cores e um surdo noções distintas dos sons."

3) O intelecto, portanto, recebe o material do conhecimento unicamente da experiência. A alma só pensa depois de ter recebido esse material. Diz Locke: "Não vejo portanto nenhuma razão para crer que a alma pense antes que os sentidos lhe tenham fornecido idéias nas quais pensar. E, à medida que as idéias aumentam de número e são retidas no espírito, a alma, com o exercício, melhora a sua faculdade de pensar em todas as suas várias partes.
Em seguida, compondo essas idéias e refletindo sobre as suas próprias operações, aumenta o seu patrimônio, bem como a sua facilidade de recordar, raciocinar e utilizar outros modos de pensar."

Eis agora um texto que se tornou muito famoso, no qual Locke retoma a antiga tese da alma como "tabula rasa", na qual só a experiência inscreve os conteúdos: "Suponhamos portanto que o espírito seja, por assim dizer, uma folha em branco, privada de qualquer escrita e sem nenhuma idéia. De que modo virá a ser preenchida? De onde provém aquele vasto depósito que a industriosa e ilimitada fantasia do homem traçou-lhe com variedade quase infinita? De onde procede todo o material da razão e do conhecimento? Respondo com uma só palavra:
da experiência.
É nela que o nosso conhecimento se baseia e é dela que, em última análise, ele deriva."

São esses os pontos básicos do empirismo de Locke.
É sobre eles que o filósofo constrói todo o seu edifício, do modo como veremos agora.

4. A doutrina lockiana das idéias e a sua construção geral

A experiência de que se falou até aqui é de dois tipos:
nós a) experimentamos objetos sensíveis externos ou então
b) experimentamos as operações internas do nosso espírito e os movimentos da nossa alma. Dessa dupla fonte da experiência derivam dois diferentes tipos de idéias simples.

a) Da primeira, derivam as idéias de sensação, sejam elas dadas por um único sentido (como as idéias de cor, som e sabor), sejam elas dadas por vários sentidos (como as idéias de extensão, figura, movimento e imobilidade).

b) Da segunda, derivam idéias simples de reflexão (como as idéias de percepção e de volição ou idéias simples que brotam da reflexão em conjunto com a percepção, como as idéias de prazer, dor, força etc.).

As idéias estão na mente do homem, mas fora há alguma coisa que tem o poder de produzi-las na mente. Locke denomina esse poder que as coisas têm de produzir idéias em nós com o termo pouco feliz de "qualidade" (que foi buscar sobretudo na física da época): "Chamo de idéia tudo aquilo que o espírito percebe em si mesmo ou que é objeto imediato da percepção, do pensamento ou do intelecto; já o poder de produzir uma idéia em nosso espírito eu chamo de qualidade do sujeito em que reside tal poder.
Assim, por exemplo, uma bola de neve tem o poder de produzir em nós as idéias de branco, frio e redondo.
E chamo de qualidade os poderes de produzir essas idéias em nós assim como estão na bola de neve, ao passo que, enquanto sensações ou percepções do nosso intelecto, chamo de idéias."

Locke introduz tal distinção para poder acolher a doutrina já comum das qualidades primárias e das secundárias. As primeiras são "as qualidades primárias e reais dos corpos, que sempre se encontram neles (isto é, a solidez, a extensão, a figura, o número, o movimento ou o repouso) (...)".
As outras, as secundmais são do que os poderes de várias combinações das qualidades primárias", como, por exemplo, cor, sabor, odor etc.
As qualidades primárias são objetivas, no sentido de que as idéias correspondentes que se produzem em nós são cópias exatas delas.
Já as qualidades secundárias são subjetivas(pelo menos em parte), no sentido de que não se assemelham exatamente às qualidades que estão nos corpos, embora sejam por elas produzidas: "Na verdade, há qualidades que, nos objetos, são apenas o poder de produzir em nós sensações variadas, por meio de suas qualidades primárias, isto é, o volume, a figura e a consistência, juntamente com o movimento de suas partes imperceptíveis, como cores, sons, gostos etc." (As qualidades primárias são qualidades dos próprios corpos, ao passo que as secundárias derivam do encontro dos objetos com o sujeito, mas tendo sempre as suas raízes no objeto.)

Trata-se de uma doutrina de origem muito antiga. Demócrito já a havia antecipado em sua célebre sentença: Opinião a dor, opinião o amargo, opinião o quente, opinião o frio, opinião a cor; verdade os átomos e o vácuo." Galileu e Descartes a haviam reproposto sobre novas bases. E Locke a retomou, provavelmente, de Boyle.

Mas vale à pena ler uma passagem de Locke (pouco conhecida, mas importantíssima), na qual o filósofo envida o máximo esforço para garantir também a validade das qualidades secundárias: "Do mesmo modo como as idéias das qualidades originárias são produzidas em nós, podemos conceber também que sejam produzidas as idéias das qualidades secundárias, isto é, através da ação de partículas imperceptíveis sobre os nossos sentidos.
Com efeito, é evidente que há uma grande quantidade de corpos que são tão pequenos que, com os nossos sentidos, não podemos descobrir nem o seu volume, nem a sua figura, nem o seu movimento, como fica claro no caso das partículas do ar ou da água e de outras partículas ainda menores que essas ― talvez tão mais pequenas do que as partículas do ar e da água quanto estas são menores do que as ervilhas ou as bolinhas de granizo.
Suponhamos agora que os diversos movimentos, figuras, volumes e números de tais partículas, agindo sobre os vários órgãos dos nossos sentidos, produzam em nós as diversas sensações que temos das cores e dos odores dos corpos: por exemplo, que, através do impulso de tais partículas imperceptíveis de matéria, que têm figuras e volumes peculiares e diversos graus de modificação de seus movimentos, uma violeta faça com que as idéias da cor violeta e doce perfume dessa flor sejam produzidas em nosso espírito.
Com efeito, não é mais difícil conceber que Deus possa ligar essas idéias a tais movimentos, com os quais não têm nenhuma semelhança, do que é difícil conceber que ele tenha ligado a idéia de dor ao movimento de um pedaço de aço que atinge a nossa carne, movimento com o qual essa idéia não se assemelha de modo algum."

O nosso espírito é passivo no receber as idéias simples.
Mas, uma vez tais idéias recebidas, tem o poder de operar de vários modos sobre elas, particularmente de combiná-las entre si, formando assim idéias complexas, bem como o poder de separar algumas idéias de outras a que estão ligadas (e, portanto, de abstrair), formando assim idéias gerais.

Ocupemo-nos primeiro das "idéias complexas", que Locke distingue em três grandes grupos:
a) idéias de modos;
b) idéias de substâncias;
c) idéias de relações.

a) As idéias de modos são aquelas idéias complexas que, de qualquer modo que sejam compostas, "não contêm a suposição de existirem por si mesmas, mas são consideradas como dependências ou sensações das substâncias" (por exemplo, a gratidão, o homicídio etc.).

b) A idéia de substância nasce do fato de que nós constatamos que algumas idéias simples estão sempre juntas e, conseqüentemente, nos habituamos a supor que exista um "substrato" no qual elas existem e do qual brotem, embora não saibamos do que se trate.

c) As idéias de relações nascem de confronto das idéias entre si e da comparação que o intelecto institui entre elas. Cada idéia pode ser colocada em relação com outras coisas de infinitos modos (um homem em relação a outros homens, por exemplo, pode ser pai, irmão, filho, avô, neto, sogro etc. ).
E considerações análogas podem ser repetidas para todas as idéias.
Mas há idéias de relações que se revestem de particular importância, como, por exemplo, a idéia de causa e efeito, a idéia de identidade ou as idéias de relações morais, que servem de alicerce para a ética.

Podemos resumir e completar o que foi dito até aqui com o seguinte esquema (que extraímos de S. Vanni Rovighi, com leves retoques):
Já nos referimos também às idéias gerais que se originam da faculdade que o intelecto tem de abstrair. Pois agora falaremos delas, em conexão com alguns problemas estreitamente ligados a essas idéias.

5. A crítica da idéia de substância, a questão da essência, o universal e a linguagem
Já fizemos referência à concepção lockiana da substância e à crítica que ele faz a esse respeito.
Convém retomar agora essa questão, porque ela é essencial para a história do empirismo posterior, além de também sê-lo para a correta compreensão do filósofo.

Vejamos uma passagem que está entre as mais famosas do Ensaio
:"coisa que não sabia o que era. Assim, nesse caso, como em todos os outros casos em que utilizamosSe alguém quiser examinar a própria noção de substância pura em geral, verá que não tem nenhuma outra idéia dela senão a suposição de não sei qual sustentáculo daquelas qualidades que são capazes de produzir idéias simples em nós, qualidades que comumente chamamos acidentes.
Se perguntássemos a alguém qual é o sujeito ao qual é inerente a cor ou o peso, nada mais teria a dizer senão que se trata das partes sólidas extensas.
E, se lhe perguntássemos a que coisa são inerentes aquela solidez e aquela extensão, ele não se encontraria em posição melhor que a daquele indiano (...) que dizia que o mundo era sustentado por um grande elefante; perguntado sobre o que se apoiava o elefante, respondeu que sobre uma grande tartaruga; mas, quando lhe perguntaram sobre o que se sustentava essa tartaruga de casco tão grande, respondeu: sobre alguma palavras sem ter idéias claras e distintas, falamos como crianças, que, quando se lhes pergunta o que é tal coisa e elas não sabem, facilmente dão a resposta satisfatória de que é alguma coisa, o que, na verdade, quando dito por crianças ou por adultos, nada mais significa que não sabem do que se trata e que a coisa que pretendem conhecer e da qual pretendem poder falar é algo de que não têm nenhuma idéia distinta, sendo assim perfeitamente ignorantes dela e estando na obscuridade.
Portanto, a idéia à qual damos o nome geral de substância outra coisa não é do que o sustentáculo suposto, mas desconhecido daquelas qualidades que descobrimos que existem e que não podemos imaginar que existam sine re substance, sem algo para sustentá-las.
Então, chamamos esse sustentáculo de substantia, o que, segundo o verdadeiro valor da palavra, em inglês corrente se diz 'estar sob' ou 'sustentar'."

Note-se que Locke não nega a existência de substâncias, mas nega apenas que nós tenhamos idéias claras e distintas delas, considerando que o seu preciso conhecimento está fora da compreensão de um intelecto finito.
Entretanto, o nosso filósofo revela-se muito oscilante sobre esse ponto.
A polêmica que ele travou com o bispo Stillingfleet mostrou que, além de "idéias complexas" de substâncias, ele também falou expressamente de uma idéia geral de substância, que obteríamos por abstração.
Mas o conceito de abstração professado por Locke, como alguns estudiosos destacaram, não permitiria de modo algum chegar a tal idéia, ainda que de forma obscura.

Na realidade, o conceito de substância que Locke discute nada mais é do que um resíduo da pior escolástica, enfraquecido e privado de sua original e autêntica estatura ontológica.
Muito diferente era a concepção tomista da substância e bem diferente ainda a concepção de Aristóteles.
De modo que aquilo contra o qual Locke combate é quase que uma paródia das autênticas doutrinas substancialistas e usiológicas da metafísica clássica.

Mas a variação cartesiana da doutrina da substância (res cogitans e res extensa) também é lançada á crise por Locke com uma argumentação hipotética verdadeiramente assombrosa, mas interessantíssima:
"Nós temos a idéia da matéria e do pensamento, mas talvez nunca sejamos capazes de saber se um ente puramente material pode pensar ou não: com a contemplação das nossas idéias e sem a revelação, é impossível para nós descobrir se o Onipotente concedeu a algum sistema material, adequadamente disposto, o poder de perceber e pensar ou se, ao contrário, ruão conjugou estavelmente a uma matéria assim disposta uma substância imaterial pensante.
Com base nas noções que temos, conceber que, se assim lhe agradar, Deus pode acrescentar à matéria a faculdade de pensar está tão distante da nossa compreensão como conceber que ele acrescente à matéria outra substância com a faculdade de pensar, porque não sabemos em que consiste o pensamento nem a qual espécie de substância quis o Onipotente dar esse poder, que só pode existir em um ente criado graças à vontade e à bondade do Criador."

Entretanto, deve-se destacar como fundamental o fato de que, apesar da afirmação de que as idéias complexas são construções do nosso intelecto, nascidas da combinação de idéias simples (e que, portanto, só representam a si mesmas, no sentido de que são paradigmas de si mesmas, não tendo objetos correspondentes fora de si), Locke escreve expressamente que isso vale para todas as idéias, "exceto as das substâncias".
Em suma, apesar de suas críticas, Locke não chegou a ponto de negar a existência extramental das substâncias, embora isso tenha implicado em notáveis oscilações em sua doutrina.
(Recordemos que Locke reserva o mesmo privilégio também ao princípio de causalidade, tanto é verdade que se serve dele para demonstrar a existência de Deus, como veremos.)
Já a posição dos empiristas ingleses posteriores, particularmente a de Hume, seria bem mais radical.

Uma questão estreitamente ligada ao problema da substância é o da essência. Para a filosofia antiga, ela coincidia com a substância (cf. vol. I, p. 435). E, com efeito, Locke também escreve que a "essência real" seria o próprio ser de uma coisa, ou seja, "aquilo pelo qual ela é o que é", isto é, a estrutura ou constituição das coisas, de que dependem as suas qualidades sensíveis.
Mas tal "essência real", segundo Locke, permanece desconhecida para nós.
Aquilo que nós conhecemos, ao contrário, é a "essência nominal", que consiste naquele conjunto de qualidades que nós estabelecemos que uma coisa deve ter para ser chamada com determinado nome: por exemplo, ter certa cor, certo peso, certa fusibilidade etc., dá a certo metal o direito de ser chamado "ouro"; portanto, a essência nominal do ouro é o conjunto das qualidades exigidas para que demos o nome de "ouro" a certa coisa.
Mas nós não sabemos qual é a essência real do ouro.
Há certos casos em que a essência real e a essência nominal coincidem, como, por exemplo, nas figuras da geometria.
Tais figuras, porém, são construções nossas e é precisamente por esse motivo que a essência nominal coincide com a essência real.
Mas, nas demais coisas, a divisão permanece clara.
Daí deriva forte dose de nominalismo para a concepção lockiana de ciência, particularmente importante no que se refere à física.

E é precisamente do nominalismo de Locke que devemos falar agora.

Em conseqüência disso tudo, é claro que Locke encontra dificuldades para explicar a abstração.
No contexto das metafísicas clássicas, a abstração consiste naquele processo pelo qual se consegue captar a essência, extraindo-a através de progressiva desmaterialização mental do objeto.
Mas, dado que nega a essência real, ou melhor, a sua cognoscibilidade, Locke não tem outra saída senão a de considerar a abstração como separação de algumas partes de idéias complexas de outras partes.
Por exemplo: eu tenho a idéia de Pedro e de João; elimino desse complexo de idéias aquelas que não são comuns a esses dois indivíduos (gordo, louro, alto, velho etc.); mantendo então aquele conjunto de idéias comuns aos dois indivíduos, indicando-o com o nome homem;passo então a usá-lo para me representar também outros homens.

Portanto, para Locke, a abstração é uma parcialização de outras idéias mais complexas.
Com isso, Locke retoma e revigora o nominalismo da tradição inglesa, do qual Hobbes fornecera o mais recente exemplo.
Assim, pode-se compreender muito bem as conclusões que o nosso filósofo extrai no Ensaio: "Está claro que o geral e o universal não pertencem à existência real das coisas, mas são invenções e criaturas do intelecto, feitas por ele para o seu uso e correspondendo somente aos sinais, sejam palavras, sejam idéias." E as palavras são "gerais quando utilizadas como sinais de idéias gerais, podendo assim ser aplicadas indiferentemente a muitas coisas particulares; já as idéias são gerais quando usadas para representar muitas coisas particulares.
Mas a universalidade não pertence às próprias coisas, que são todas particulares em sua existência, incluindo as palavras e idéias que são gerais em seu significado.
Por isso, quando nos afastamos dos particulares, aquilo que resta de geral é somente uma criatura de nossa fabricação: com efeito, a sua natureza geral nada mais é que a capacidade conferida pelo intelecto de significar ou representar muitos particulares.
Os significado que tem é apenas uma relação que o espírito do homem acrescenta a esses particulares".

6. O conhecimento, o seu valor e a sua extensão

Em todas as variedade que descrevemos, as idéias são o material do conhecimento, mas não ainda o conhecimento propriamente dito, no sentido de que, em si mesmas, elas estão aquém do verdadeiro e do falso.
Não há conhecimento sem a percepção de uma concordância (ou então de uma discordância) entre idéias ou grupos de idéias, pois só então temos o verdadeiro e o falso. Escreve Locke: "Parece-me então que o conhecimento nada mais seja do que a percepção da conexão e da concordância ou então da discordância e do contraste entre as nossas idéias. Ele consiste apenas nisso."

Esse tipo de concordância ou discordância é de quatro espécies:
a) identidade e diversidade;
b) relação;
c) coexistência e conexão necessária;
d) existência real.

Ora, em geral, a concordância entre as idéias pode ser percebida de dois modos diferentes:
1) por intuição;
2) por demonstração.

1) A concordância entre as idéias que percebemos por intuição é aquela que temos pela evidência imediata. Diz Locke: "Nesse caso, o espírito não se dá ao trabalho de experimentar ou examinar, mas percebe a verdade como o olho percebe a luz, apenas dirigindose em sua direção.
Assim, o espírito percebe que o branco não é negro, que um círculo não é um triângulo, que três são mais que dois e igual a um mais dois.
O espírito percebe essa espécie de verdade tão logo vê as idéias juntas, por pura intuição, sem a intervenção de outra idéia.
E essa espécie de conhecimento é a mais clara e certa de que é capaz a fragilidade humana.
Essa parte do conhecimento é irresistível e, como o esplendor da luz solar, impõe-se imediatamente à percepção tão logo o espírito volte a sua vista naquela direção: não dá lugar a hesitações, dúvidas ou exames, pois o espírito é imediatamente tomado por sua clara luz.
E dessa intuição que dependem toda a certeza e a evidência de todo o nosso conhecimento ( ... )"

2) Temos a demonstração quando o espírito percebe a concordância ou a discordância entre as idéias, mas não imediatamente.
A demonstração procede mediante passagens intermediárias, ou seja, através da intervenção de outras idéias (uma ou mais, segundo o caso), sendo precisamente a esse "procedimento" ou "proceder" que chamamos de razão e de raciocinar.
O procedimento demonstrativo nada mais faz que introduzir uma série de nexos evidentes em si mesmos, isto é, intuitivos, para demonstrar nexos entre idéias não-intuitivos em si mesmos. Portanto, em última análise, a validade da demonstração fundamenta-se na validade da intuição. Basta, por exemplo, pensar na demonstração dos teoremas geométricos, que conectam algumas idéias cujo nexo não é imediatamente evidente através de uma série de "passagens", cada qual é imediatamente evidente.
Assim, a demonstração procede e se desdobra, através de uma série de intuições adequadamente concatenadas.

Tudo isso não propõe maiores problemas quando se trata dos primeiros três tipos de concordância ou discordância entre as idéias, de que falamos inicialmente ―
a) identidade-
diversidade;
b) relação;
c) coexistência e conexão necessária ―,
dado que, nesses casos, não se está saindo do círculo das idéias puras.
Os problemas, porém, surgem no caso
d) da existência real, no qual não está em questão a simples concordância entre as idéias, mas a concordância entre as idéias e a realidade externa.
E aqui volta a emergir o velho conceito de verdade como adequatio intellectus ad rem, como concordância entre as idéias e as coisas, acima da simples concordância entre as idéias
.
Locke procura resolver essa dificuldade admitindo que nós temos conhecimento:
1) da nossa existência através da "intuição";
2) da existência de Deus mediante "demonstração";
3) da existência das outras coisas por meio de "sensação".

1) Para justificar a afirmação de que nós temos consciência de nossa existência por "intuição",
Locke se refere a modelos tipicamente cartesianos, embora de modo mais destemperado: "Nada pode ser mais evidente para nós do que a nossa própria existência.
Eu penso, eu raciocino, eu sinto prazer e dor: alguma dessas coisas pode ser para mim mais evidente do que a minha própria existência? Se duvido de todas as outras coisas, essa mesma dúvida me faz perceber a minha própria existência e não me permite duvidar dela. Pois, se eu sei que sinto dor, é evidente que tenho uma percepção certa de minha própria existência, como da existência da dor que sinto.
Ou, se sei que duvido, tenho a percepção certa da existência da coisa que duvida, como do pensamento que eu chamo "dúvida".
A experiência nos convence de que temos conhecimento intuitivo de nossa própria existência e uma percepção interior infalível de que nós existimos.
Em todo outro ato de sensação, raciocínio ou pensamento, nós estamos conscientes, diante de nós mesmos, do nosso próprio ser.
E, a respeito disso, não nos falta o mais alto grau de certeza."

2) Locke demonstra a existência de Deus recorrendo ao antigo princípio metafísico ex nihilo nihil e ao princípio da causalidade, do seguinte modo: nós sabemos com absoluta certeza que há algo que existe realmente (cf. ponto 1); ademais, "por certeza intuitiva, o homem sabe que o puro nada não produz um ser real mais do que não possa ser igual a dois ângulos retos; se um homem não sabe que o não-ente ou a ausência de todo ser não pode ser igual a dois ângulos retos, é impossível que conheça uma demonstração qualquer de Euclides; por issso, se nós sabemos que há algum ser real e que o não-ente não pode produzir um ser real, essa é a demonstração evidente de que algo existe desde a eternidade, porque aquilo que não existe desde a eternidade teve início e aquilo que teve início deve ter sido produzido por alguma outra coisa".

Locke demonstra então que essa outra coisa de que deriva o nosso ser deve ser onipotente, onisciente e eterno.


É digno de nota o fato de que o "empirista" Locke considere que a existência de Deus é inclusive mais certa do que aquilo que os sentidos nos manifestam! Eis as suas palavras: "Por tudo o que foi dito, está claro para mim que temos um conhecimento da existência de Deus que é mais certo do que qualquer outra coisa que os nossos sentidos nos tenham imediatamente manifestado.
Ouso dizer, inclusive, que conhecemos que há um Deus com mais certeza do que conhecemos que existe qualquer outra coisa fora de nós.
E, quando digo que 'conhecemos', entendo que há em nós, ao nosso alcance, um conhecimento que não podemos deixar de ter se a ele aplicarmos o nosso espírito como fazemos a muitas outras investigações."

3) Segundo Locke, no que se refere à existência das coisas externas, já estamos menos certos do que em relação à nossa existência ou à existência de Deus.
Locke afirma que "ter a idéia de algo em nosso espírito não prova a existência dessa coisa mais do que o retrato de um homem possa tornar a sua existência evidente no mundo ou que as visões de um sonho constituam como tais uma história verdadeira".

Entretanto, está claro que, como não somos nós que produzimos as nossas idéias, elas devem ser produzidas por objetos externos.
Mas só podemos estar certos da existência de um objeto que produz a idéia em nós à medida que a sensação é atual.
Nós estamos certos do objeto que vemos (este pedaço de papel, por exemplo) enquanto o vemos e à medida em que o vemos, mas, quando ele é subtraído à nossa atual sensação, já não podemos ter certeza de sua existência (poderia ter sido rasgado ou destruído).

Todavia, esse tipo de certeza da existência das coisas fora de nós é suficiente para os objetivos de nossa vida.
Por fim, no que se refere, não à simples correspondência das idéias à existência das coisas, mas ao problema da conformidade das idéias às coisas (se e até que ponto as idéias reproduzem exatamente os arquétipos das coisas), remetemos o leitor a tudo o que dissemos sobre o problema da natureza, da essência, das qualidades primárias e secundárias.

7. A probabilidade e a fé

Logo depois dos três graus de certeza que descrevemos encontra-se o juízo de probabilidade, onde a concordância entre as idéias não é percebida (imediata ou mediatamente), mas somente "suposta".
Portanto, a probabilidade é só a aparência da concordância ou discordância, através da intervenção de provas em que a conexão das idéias não é constante nem imutável ou, pelo menos, não é percebida como tal, "mas é ou aparece tal as mais das vezes, sendo suficiente para induzir o espírito a julgar a proposição verdadeira ou falsa, ao invés do contrário".
Naturalmente, há diversas formas de probabilidade.
1) A primeira baseia-se na conformidade de algo com nossas experiências passadas (se houvermos experienciado que certas coisas sempre aconteceram de certo modo, podemos considerar provável que elas continuem a acontecer do mesmo modo ou de modo semelhante).
2) A segunda baseia-se no testemunho dos outros homens: neste caso, temos a maior probabilidade quando há concordância entre todos os testemunhos.

Há ainda uma forma de probabilidade que não diz respeito a dados de fato suscetíveis de observação, como aqueles de que já falamos, mas a outra espécie de coisas, como, por exemplo, à existência de outras inteligências diferentes das nossas (anjos) ou o modo profundo de operar da natureza (as explicações de certos fenômenos físicos). Nesses casos, a regra da probabilidade baseiase na analogia.

Por fim, há a fê à qual Locke garante o máximo de dignidade. Eis o seu texto principal sobre o assunto: "Além daquelas que mencionamos até agora, há outra espécie de proposições que exige o mais alto grau do nosso assentimento com base em simples testemunho, concorde ou não concorde essa coisa com a experiência comum e com o curso ordinário das coisas.
A razão disso é que tal testemunho é o de Um que não pode enganar nem ser enganado, isto é, do próprio Deus.
Ela inclui uma garantia que está além da dúvida, uma prova sem exceções.
Com um nome peculiar, ela é chamada revelação, ao passo que o nosso assentimento a ela é chamado fé, determinando absolutamente os nossos espíritos e excluindo perfeitamente toda hesitação, como faz o conhecimento.
E, assim como não podemos duvidar do nosso ser, também não podemos duvidar que seja verdadeira a revelação que nos vem de Deus.
De modo que a fé é um princípio estabelecido e seguro de assentimento e segurança, que não deixa lugar a dúvidas e hesitações. Devemos apenas estar seguros de que se trata de uma revelação divina e que nós a compreendemos exatamente (...)."

Locke estava convencido de que, em última análise, a fé nada mais é do que "um assentimento fundamentado na mais elevada razão".

8. As doutrinas morais e políticas
Muito menos rigorosas, ainda que interessantes, são as idéias morais e políticas de Locke, nas quais os estudiosos destacaram a presença de não poucas oscilações.
Vejamos as suas concepções básicas.

Como já vimos amplamente, os homens não têm leis e princípios práticos inatos.

O que leva o homem a agir e determina a sua vontade e as suas ações é a busca do bem-estar e da felicidade e, como diz Locke em uma sugestiva passagem, a sensação de inquietude em que se sente freqüentemente: "O que determina a vontade em relação às nossas ações?
Pensando bem, sou levado a crer que não existe, como geralmente se supõe, o bem maior que se tem em vista, mas sim certa inquietude (e, na maior parte dos casos, trata-se daquela mais premente) que aflige o homem.
É isso o que, de quando em vez, determina a vontade e nos impele para as ações que realizamos. Podemos chamar essa inquietude, assim como ela é, de desejo, que é uma inquietude do espírito pela necessidade de um bem ausente. Qualquer dor corpórea de qualquer espécie e toda perturbação do espírito é inquietude.
E a esta está sempre unido o desejo, igual à dor ou à inquietude experimentada, mas dificilmente distinguível dela. Como o desejo outra coisa não é do que a inquietude pela necessidade de um bem ausente, em referência a uma dor experimentada, a sua satisfação é aquele bem ausente.
E, enquanto essa satisfação não é alcançada, podemos chamá-la de desejo, já que ninguém experimenta uma dor da qual não deseje ser aliviado, com um desejo igual àquela dor e dela inseparável."

Locke não considera mais a liberdade no sentido de "livre-arbítrio", o que teria implicado em considerações metafísicas estranhas ao seu empirismo.
Por conseguinte, para Locke, a liberdade não está no "querer", mas sim "no poder de agir ou abster-se da ação".
Ademais, o homem tem o poder de "manter suspensa" a execução dos seus desejos, para examiná-los atentamente e ponderá-los, fortalecendo assim aquele poder concreto.

Como toda ética de fundo empirista, a ética lockiana não pode ser senão utilitarista e eudemonista. Escreve o nosso filósofo: "O bem e o mal ( ... ) nada mais são do que prazer ou dor ou então aquilo que nos propicia prazer ou dor.
Portanto, o bem e o mal morais são apenas a conformidade ou o desacordo das nossas ações voluntárias com algumas leis, através da qual o bem ou o mal é atraído para nós pelas vontades e pelo poder do legislador.
E aquele bem ou mal, aquele prazer ou dor, que acompanham a nossa observância ou infração à lei por decreto do legislador, é aquilo que chamamos de recompensa e castigo."

Ora, as leis às quais os homens comumente referem as suas ações são de três tipos diversos: 1) as leis divinas;
2) as leis civis;
3) as leis da opinião pública ou reputação.
Ou seja:
1) julgadas com base no parâmetro do primeiro tipo de leis, as ações humanas são "pecados" ou "deveres";
2) julgadas com base no parâmetro do segundo tipo de leis, as ações humanas são "delituosas" ou "inocentes";
3) julgadas com base no parâmetro do terceiro tipo de leis, as ações humanas são "virtudes" ou "vícios".

Na base da moralidade, portanto, está a lei revelada, que, aliás, Locke parece fazer coincidir com a lei "promulgada através das luzes da natureza", ou seja, com aquela lei que a própria razão humana pode descobrir.

Em seus escritos políticos, Locke teorizou aquela forma de constitucionalismo liberal pela qual se havia batido e que se concretizou na Inglaterra com a Revolução de 1688.

A monarquia não se fundamenta no direito divino.
Diz Locke que, embora em voga nos tempos modernos, essa tese não pode ser encontrada nas Escrituras nem nos antigos Padres.

A sociedade e o Estado nascem do direito natural, que coincide com a razão, a qual diz que, sendo todos os homens iguais e independentes, "ninguém deve prejudicar os outros na vida, na saúde, na liberdade e nas posses". São portanto "direitos naturais" o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à propriedade e o direito à defesa desses direitos.

O fundamento da gênese do Estado, portanto, é a razão e não, como em Hobbes, o instinto selvagem.

Reunindo-se em uma sociedade, os cidadãos renunciam unicamente ao direito de defenderem-se cada qual por conta própria, com o que não enfraquecem, mas sim fortalecem os outros direitos.

O Estado tem o poder de fazer as leis (poder legislativo) e de impô-las e fazer com que sejam cumpridas (poder executivo).
Os limites do poder do Estado são estabelecidos por aqueles mesmos direitos dos cidadãos para cuja defesa nasceu. Portanto, os cidadãos mantêm o direito de rebelarem-se contra o poder estatal quando este atua contrariamente às finalidades para as quais nasceu. E os governantes estão sempre sujeitos ao julgamento do povo.

Ao contrário do que sustentava Hobbes, para Locke o Estado não deve ter ingerência nas questões religiosas.
E, como a fé não é uma coisa que possa ser imposta, é preciso ter respeito e tolerância para com as várias fés religiosas: "A tolerância para com aqueles que discordam dos outros em matéria de religião é algo de tal forma consoante com o Evangelho e com a razão que é monstruoso existirem homens cegos a tanta luz."
9. A religião e suas relações com a razão e com a fé
Amiúde fez-se de Locke "deísta" ou "pré-deísta". Mas, em sua Carta ao Reverendíssimo Edward Stillingfleet, de 1697, Locke rejeita com firmeza o alinhamento aos deístas.

Na Racionalidade do cristianismo (obra tão freqüentemente mal entendida, que deu origem a uma série de polêmicas), Locke não pretendeu transformar o discurso do cristianismo em discurso racional: para ele, fé e razão constituem âmbitos diferentes.

O que preocupa Locke é compreender a revelação e estabelecer o seu núcleo essencial, ou seja, identificar quais são as verdades em que é necessário crer para ser cristão.
E o nosso filósofo chega à conclusão de que tais verdades se reduzem a uma só verdade fundamental: crer que "Jesus é o Messias", o que equivale a dizer que "Jesus é Filho de Deus". Não é que para Locke todas as verdades do cristianismo se reduzem somente a essa, mas sim que ela constitui o núcleo de verdade mínimo em que é necessário e suficiente crer para se dizer cristão. As outras verdades agregam-se a ela ou dela derivam.

Ademais, Locke não negou nem o componente sobrenatural nem o mistério no cristianismo. Por isso, o radicalismo deístico é substancialmente estranho ao filósofo.
A Racionalidade do cristianismo, assim como o Ensaio sobre as epístolas de são Paulo, são, na realidade, obras de exegese religiosa, com as quais Locke conclui o seu itinerário espiritual.

O mais recente tradutor e estudioso dessas obras de Locke sobre religião M. Sina, assim resume a mais nova interpretação sobre elas: "Locke não se detém (...) ― coisa bastante usual nos tratados dos teólogos da época ― no uso apologético da conformidade dos ditames da ética cristã com os da ética racional. Ele se propusera compreender a religião cristã, não a defendê-la, nem a transpor a doutrina revelada para expressões de perfeita conformidade racional.
Ele procura somente compreender a genuína doutrina do Evangelho, que, depois, terá o mérito de manifestar-se em toda a sua pureza e em toda a sua conformidade com os dados da razão. Com efeito, diz ele na Racionalidade do cristianismo: 'Se os filósofos cristãos os (= os pagãos) superaram em muito, podemos, porém, observar que o primeiro conhecimento das verdades a que eles chegaram deve-se à revelação, muito embora, tão logo elas foram ouvidas e consideradas, tenham sido imediatamente consideradas conformes à razão, a tal ponto que não poderiam ser contraditadas por nenhum meio.
Se aí está presente a comparação entre conteúdo revelado e conteúdo racional, entre os limites históricos da razão e a necessidade da pregação do Messias, não estamos então autorizados a ler toda essa obra de Locke numa linha de reivindicação racional.
Pelo menos em sua intenção original, o seu objetivo não era o de definir a concordância dos dogmas fundamentais do cristianismo com as doutrinas éticoreligiosas da razão humana, mas sim (...) o de auscutar a palavra de Deus naqueles temas em que a filosofia havia encontrado os mais árduos obstáculos."

O Pós-escrito à Carta a Edward Stillingfleet, escrito por Locke no castelo de Oates em janeiro de 1697, assim conclui: "A Sagrada Escritura é e sempre será o guia constante do meu assentimento.
E eu sempre lhe darei ouvidos, porque ela contém a infalível verdade sobre coisas da máxima importância.
Se pudesse, gostaria de dizer que nela não há mistérios, mas devo reconhecer que, para mim, eles existem e temo que sempre existirão.
Entretanto, onde me faltar a evidência das coisas, encontrarei um argumento suficiente para que eu possa crer: Deus disse isto.
Portanto, condenarei imediatamente e rejeitarei toda doutrina minha tão logo se me mostrar que ela é contrária a qualquer doutrina revelada na Escritura."

Trata-se de uma tomada de posição perfeitamente em harmonia com as premissas gnosiológicas doEnsaio.

10. Conclusões sobre Locke

F. Copleston (conhecido historiador inglês da filosofia) foi quem apresentou um juízo de conjunto mais comedido e convincente sobre o nosso filósofo: "Como fica claro em seus escritos, Locke foi homem muito moderado.
Empirista, quando afirma que todo o material do nosso conhecimento é fornecido pela percepção sensível e pela reflexão, mas não empirista (ou seja, empirista não extremista), quando não pensa que nós só conhecemos as coisas percebidas através dos sentidos.
De forma elementar, ele é (... também) racionalista, porque está certo do primado do juízo racional sobre todas as opiniões e crenças e porque desaprova a substituição de expressões emocionais e sentimentos em lugar de juízos fundados na razão.
Mas não é racionalista no sentido de desprezar a realidade espiritual, a ordem sobrenatural ou a possibilidade de revelação divina da verdade, que, embora não estejam em contraste com a razão, estão contudo acima dela, não podendo ser descobertas somente pela razão e também não podendo ser plenamente entendidas mesmo quando são reveladas.
Tinha aversão pelo princípio da autoridade, seja no campo intelectual, seja no político.
Foi um dos expoentes do princípio da tolerância, mas, avesso à anarquia, também reconhecia a existência de limites ao campo dentro do qual queria aplicar tal princípio.
Foi espírito religioso, mas distante do fanatismo ou do zelo excessivo.
Para concluir, não encontramos nele expressões brilhantes e geniais, mas sempre sentido de medida e bom senso."

E foram precisamente esse "sentido de medida" e esse "bom senso", expressos em obras escritas sem tecnicismos, num estilo acessível a todos, que garantiram ao filósofo fama notável.
O empirismo posterior procederia a uma rigorização do discurso lockiano, eliminando os pontos e doutrinas que permanecem no Ensaio por uma espécie de "lei da inércia".
Mas os pontos básicos da nova filosofia estavam lançados solidamente.

Sem o antecedente do Ensaio de Locke, não seria pensável nem compreensível a própria Crítica da razão pura de Kant (embora outros componentes importantes também tenham confluído nessa obra).

Além disso, sem o Ensaio de Locke também estaria faltando uma ponte fundamental entre Descartes e o iluminismo.


G. Reale, D. Antiseri, História da Filosofia, Vol. II, Edições Paulinas, São Paulo, 1990, pp. 504-528.