segunda-feira, 30 de março de 2009

John Locke



John Locke e a fundação do empirismo crítico

1. A vida e as obras de Locke
O empirismo, que em Bacon e em Hobbes constitui um componente essencial, mas entrelaçado com outros componentes e por eles delimitado (em Bacon, é circunscrito predominantemente à temática do experimento científico, ao passo que em Hobbes é fortemente condicionado pela teoria materialista-corporeísta), assume a sua primeira formulação paradigmática, metodológica e criticamente consciente na obra de Locke.

John Locke nasceu em Wrington (nas proximidades de Bristol) em 1632 (no mesmo ano em que também nasceu Spinoza).
Estudou na Universidade de Oxford, onde conseguiu o título de Master of Arts em 1658 e onde ensinaria (na qualidade de tutor) grego e retórica e se tornaria censor da filosofia moral.

Ficou muito descontente com o ensino de filosofia que recebeu em Oxford, que ele julgou "um peripatetismo recheado de palavras obscuras e de inúteis pesquisas".
Esse peripatetismo escolástico nada mais fazia além de se divertir com sutis distinções, multiplicando-as ao inverossímil.
Por isso, é perfeitamente compreensível que ele tenha procurado satisfazer as exigências concretas do seu espírito em outros campos, estudando medicina, anatomia, fisiologia e física (sofreu notáveis influências do físico R. Boyle), além de teologia.
Não conseguiu nenhum título acadêmico em medicina, mas passou a ser chamado de "doutor Locke" pela competência que adquiriu nessa matéria.

Em 1668, foi nomeado membro da prestigiosa Royal Society de Londres, na qual Hobbes não fôra admitido por causa das polêmicas e das fortes divisões suscitadas por suas teses de fundo.
O ano de 1672 marca reviravolta muito importante na vida de Locke: com efeito, nesse ano ele tornou-se secretário do lorde Ashley Cooper, chanceler da Inglaterra e conde de Shaftesbury, passando a se ocupar ativamente dos negócios políticos.

Entre 1674 e 1689, em conseqüência de suas opções políticas, a vida de Locke foi arrastada por uma série vertiginosa de acontecimentos, destinados a deixar marcas indeléveis em seu espírito.
Em 1675, logo depois da queda de lorde Shaftesbury, Locke viajou para a França, onde travou conhecimento com o cartesianismo. De 1679 a 1682, esteve novamente ao lado de lorde Shaftesbury, que havia conseguido reconquistar as posições políticas perdidas.
Mas, em 1682, lorde Shaftesbury foi envolvido na conjura do duque de Monmouth contra Carlos II e teve que se refugiar na Holanda, onde morreu.
No ano seguinte, Locke também teve que deixar a Inglaterra para refugiar-se na Holanda, onde trabalhou ativamente nos preparativos para a expedição de Guilherme de Orange.

Em 1689, Guilhermees do regime de monarquia parlamentar, pela qual Locke sempre se havia batido. E assim, voltando a Londres, ele pôde colher os louros merecidos do sucesso.
Foram-lhe oferecidos cargos e honrarias. Sua fama espalhou-se por toda a Europa.
Entretanto, ele recusou as ofertas que mais exigiam dele para poder se concentrar predominantemente em sua atividade literária.

Em 1691, transferiu-se para o castelo de Oates (em Essex), como hóspede de sir Francis Masham e de sua mulher Damaris Cudworth (filha do filósofo Ralph, de que falaremos adiante), onde morreu em 1704.

A obra-prima de Locke é constituída pelo imponente Ensaio sobre o intelecto humano, publicado em 1690, depois de uma gestação que durou cerca de vinte anos.
No ano anterior, ele havia publicado a Epístola sobre a tolerância.
No mesmo ano do Ensaio, foram publicados também os Dois tratados sobre o governo.
Em 1693, saíram os Pensamentos sobre a educação, e, em 1695, A racionalidade do cristianismo.
Alguns de seus escritos foram publicados postumamente, entre os quais revestem-se de particular importância as Paráfrases e notas das epístolas de são Paulo aos Gálatas, aos Coríntios, aos Romanos e aos Efésios e o Ensaio para a compreensão das epístolas de são Paulo.

Foram três os interesses principais de Locke:
a) o gnosiológico, do qual brotou o Ensaio;
b) o ético-político, que encontrou expressão (além de sua própria militância política prática) nos escritos dedicados a esse tema;
c) o religioso, campo no qual a atenção do nosso filósofo se concentrou sobretudo nos últimos anos de sua vida (a esses podemos acrescentar, mas numa dimensão menor, um quarto interesse, de caráter pedagógico, que encontrou expressão nos Pensamentos sobre a educação).

São esses os pontos que examinaremos agora, começando pelo primeiro, que é de longe o mais importante.

2. O problema e o programa do Ensaio sobre o intelecto humano
Bacon escrevera que "introduzir um uso melhor e mais perfeito do intelecto" constitui uma necessidade imprescindível e procurara satisfazer parcialmente essa necessidade do modo como já vimos. Locke faz seu esse programa, desenvolvendo-o e levandoo à sua perfeita maturação.
Para o nosso filósofo, porém, não se trata de examinar o emprego do intelecto humano relativamente a alguns setores ou âmbitos do conhecimento, mas sim o próprio intelecto, suas capacidades, suas funções e seus limites.
Não se trata, portanto, de examinar os objetos, mas sim de examinar o próprio sujeito.
Desse modo, o centro do interesse da filosofia moderna vai se especificando sempre melhor, ao mesmo tempo em que vai se delineando cada vez mais claramente o caminho que levará, como meta final, ao criticismo kantiano: o objetivo é o de conseguir estabelecer a gênese, a natureza e o valor do conhecimento humano, particularmente o de definir os limites dentro dos quais o intelecto humano pode e deve se mover e quais são as fronteiras que ele não deve ultrapassar, ou seja, quais são os âmbitos que lhe estão estruturalmente fechados.

Eis como Locke narra a gênese do seu Ensaio, na Epístola ao leitor que lhe serve de introdução: "Se fosse o caso de enfadar-te com a história deste Ensaio, poderia dizer-te que cinco ou seis amigos, reunidos em meu quarto, que discutiam sobre tema bastante remoto do aqui tratado, encontraram-se em dado momento em ponto morto, por causa das dificuldades que surgiam de todos os lados.
Depois de nos termos descabelado um pouco, sem nos aproximarmos mais da solução daquelas dúvidas que nos deixavam perplexos, aconteceu-me de pensar que estávamos em caminho errado: que, antes de iniciar investigações daquela natureza, era necessário examinaras nossas capacidades para ver que objetos o nosso intelecto estava ou não em condições de tratar.
Propus essa questão aos presentes, que prontamente concordaram, acertando-se então que essa seria a nossa primeira investigação.
Alguns pensamentos apressados e mal digeridos, sobre um tema que eu nunca havia considerado antes, mas que anotei para a nossa próxima reunião, formaram a primeira introdução a este discurso, que, tendo sido iniciado por acaso, foi continuado por solicitação de meus amigos, escrito aos pedaços desconexos, desleixado por longos períodos e depois retornado ao sabor dos meus humores e oportunidades e, por fim, durante umas férias solitárias tiradas por motivo de saúde, finalmente colocado na ordem em que agora o estás vendo."

E eis como, com plena consciência crítica, a intenção geral do Ensaio e da nova filosofia lockiana se expressa na Introdução, que é peça chave de toda a obra: "Conhecendo a nossa força, saberemos melhor o que empreender com alguma esperança de sucesso.
E, quando houvermos bem examinado os poderes do nosso espírito e feito uma avaliação do que podemos esperar dele, não seremos mais propensos a ficar quietos, sem lançar o nosso pensamento à obra, perdendo a esperança de conhecer alguma coisa, nem, por outro lado, a pôr tudo em dúvida e ignorar todo conhecimento porque algumas coisas não podem ser compreendidas.
É de suma utilidade para o marinheiro conhecer o comprimento de suas cordas, ainda que com elas não possa sondar todas as profundidades do oceano.
Mas é bom que ele saiba que elas são bastante longas para alcançar o fundo naqueles lugares que são necessários para a sua viagem e para avisá-lo dos escolhos que poderiam arruinar a nave.
A nossa função aqui não é a de conhecer todas as coisas, mas somente aquelas que dizem respeito à nossa conduta.
Se pudermos descobrir aquelas medidas através das quais uma criatura racional, colocada no estado em que o homem se encontra neste mundo, pode e deve governar as suas opiniões e ações que delas dependem, não devemos nos perturbar se outras coisas escapam ao nosso conhecimento.
Foi isto o que, desde o inicio, deu lugar a este Ensaio sobre o intelecto.
Com efeito, eu pensava que o primeiro passo para satisfazer várias investigações que o espírito do homem costuma empreender era o de fazer uma inspeção do nosso intelecto, examinar os nossos poderes e ver para que coisas eles são aptos.
Enquanto não houvéssemos feito isso, suspeitava que estávamos começando pelo lado errado e que procurávamos em vão a satisfação de uma tranqüila e segura posse das verdades que eram mais caras ao nosso coração, enquanto deixávamos os nossos pensamentos em liberdade no vasto oceano do Ser, como se toda aquela extensão ilimitada fosse uma posse natural e indubítável do nosso intelecto, onde nada escapasse às suas decisões e à sua compreensão.
Assim, não é de surpreender que os homens, estendendo as suas investigações para além de suas capacidades e deixando seus pensamentos vagarem naquelas profundidades em que não têm mais pé, levantem questões e multipliquem disputas que, visto nunca chegarem a uma clara solução, servem somente para conservar e aumentar as suas dúvidas, confirmando neles perfeito ceticismo.
Uma vez bem considerada a capacidade do nosso intelecto, descoberta a extensão do nosso conhecimento e identificado o horizonte que estabelece o limite entre as partes iluminadas e as partes escuras das coisas, entre aquilo que é e aquilo que não é compreensível para nós, talvez os homens aceitem com menores escrúpulos a ignorância declarada de um e utilizem seus pensamentos e discursos com maior benefício e satisfação no outro."

Vejamos, portanto, como é que Locke realiza esse seu exigente programa.

Do pensamento humano é a idéia.
A tese mais destacada de Locke é a de que as idéias derivam da experiência e que, por isso, a experiência é o limite intransponível de todo conhecimento possível."

Portanto, a tradição empirista inglesa e a "idéia" cartesiana são os componentes de cuja síntese nasce o novo empirismo lockiano.

Mas, antes de penetrar no âmago do problema, é oportuno fazer algumas observações sobre esse termo, que tem história gloriosa.
Nós h3. O empirismo lockiano como síntese das instâncias do empirismo inglês tradicional e das instâncias do racionalismo cartesiana: o princípio da experiência e a crítica do inatismo
Nicolau Abbagnano, na Introdução à tradução do Ensaio lockiano (feita por sua mulher Mariana, já citada), resume perfeitamente os termos do problema, do seguinte modo: "O Ensaio sobre o intelecto humano de Locke apresenta-se como uma análise dos limites, das condições e das possibilidades efetivas do conhecimento humano.
Tal análise parece buscar inspiração na antiga tradição empirista da filosofia inglesa, tradição que, a partir de Roger Bacon e Ockham, através de uma série ininterrupta de pensadores menores, vai até Bacon de Verolme e Hobbes.
Nessa orientação básica, Locke inseriu alguns pontos destacados da filosofia cartesiana, sobretudo o princípio de que o único objeto oje usamos comumente o termo "idéia" na acepção que Descartes e Locke consagraram, caindo facilmente no erro de crer que essa seja a única e óbvia acepção desse termo.
Entretanto, ela constitui o ponto de chegada de um debate metafísico e gnoseológico iniciado por Platão (e, em certos aspectos, ainda antes), continuado por Aristóteles e, depois, pelos medioplatônicos, os neoplatônicos, os Padres da Igreja, os escolásticos e alguns pensadores renascentistas.

O termo "idéia" é resultado da transliteração de termo grego que significa "forma" (sinônimo de eidos), particularmente (de Platão em diante) forma ontológica, significando portanto uma "essência substancial" e um "ser" e não um "pensamento".
Na fase final do platonismo antigo, as Idéias tornam-se "pensamentos do supremo Intelecto" e, portanto, paradigmas supremos, nos quais coincidem ser e pensamento, vale dizer, paradigmas metafísicos.
Os debates sobre o problema dos universais e as diversas soluções propostas abalaram fortemente a antiga concepção platônica, abrindo caminho para proposições radicalmente novas.
A escolha cartesiana do termo "idéia" para indicar um simples conteúdo da mente e do pensamento humano marca o total esquecimento da antiga problemática metafísica da Idéia e o advento de uma mentalidade completamente nova, que Locke contribui para impor definitivamente.

Eis o que o nosso filósofo escreve em sua Introdução ao Ensaio: "Devo pedir vênia ao meu leitor pelo uso freqüente que faço da palavra idéia, que ele encontrará neste tratado. Creio que esse é o termo que melhor serve para representar qualquer coisa que é objeto do intelecto quando o homem pensa. Portanto, eu o usei para expressar tudo aquilo que pode ser entendido por imagem, noção, espécie ou tudo aquilo em torno do qual o espírito pode ser utilizado no pensar. ( ... )"
Mas a concordância com Descartes se rompe no momento em que se trata de estabelecer "de que modo essas idéias vêm ao espírito".
Descartes havia-se alinhado em favor das idéias inatas (cf. acima, pp. 370 ss). Locke, ao contrário, nega qualquer forma de inatismo e procura demonstrar, de modo sistemático e com pormenorizada riqueza analítica, que as idéias derivam sempre e somente da experiência.

Por conseguinte, é a seguinte a tese de Locke:
1) não existem idéias nem princípios inatos;
2) nenhum intelecto humano, por mais forte e vigoroso que seja, é capaz de forjar ou inventar (ou seja, criar) idéias, bem como não é capaz de destruir aquelas que existem;
3) conseqüentemente, a experiência constitui a fonte e, ao mesmo tempo, o limite, ou seja, o horizonte, ao qual o intelecto permanece vinculado.

A crítica ao "inatismo", portanto, é considerada por Locke como ponto fundamental de qualificação. Por isso, dedica-lhe todo o primeiro livro do Ensaio.

1) A posição dos inatistas que Locke critica não é somente a dos cartesianos, mas também as posições de Herbert de Cherbury (1583-1648),
dos platônicos ingleses da escola de Cambridge (Benjamim Wichcote, 1609-1683;
John Smith, 1616-1652;
Henry More, 1614-1687;
Ralph Cudworth, 1617-1688) e, em geral, de todos aqueles que, sob qualquer forma, sustentam a presença na mente de conteúdos anteriores à experiência, nela impressos desde o primeiro momento de sua existência.

Locke recorda que o ponto básico ao qual se referem os defensores do inátismo das idéias e dos princípios (teóricos ou práticos) é o "consenso universal" de que ambos desfrutam junto a todos os homens.

E os argumentos de fundo em que Locke se apóia para refutar essa prova são os seguintes:
a) O "consenso universal" dos homem sobre certas idéias e certos princípios (considerado, mas não concedido que exista) poder-se-ia explicar também sem a hipótese do inatismo, simplesmente mostrando que existe outro modo de chegar a ele.

b) Mas, na realidade, o pretenso consenso universal não existe, como fica evidente no fato de que as crianças e os deficientes não têm de modo algum consciência do princípio de identidade e de não-contradição, nem dos princípios éticos fundamentais.

c) Para escapar a essa objeção seria absurdo sustentar que as crianças e os deficientes têm esses princípios de forma inata, mas não são conscientes disso. Com efeito, é absurdo dizer que há verdades impressas na alma, mas que elas não são percebidas, posto que sempre coincidem a presença de um conteúdo na alma e a consciência dessa presença. E escreve Locke:
"Dizer que uma noção está impressa no espírito e, ao mesmo tempo, dizer que o espírito é ignorante dela e até agora nunca se apercebeu dela significa tornar essa impressão nula. Não se pode dizer de nenhuma proposição que ela esteja no espírito quando o espírito nunca a conheceu ou nunca teve consciência dela."

d) A afirmação de que existem princípios morais inatos é desmentida pelo fato de que alguns povos se comportam exatamente ao contrário daquilo que tais princípios postulariam, ou seja, praticando ações que para nós são celeradas sem experimentar remorso algum, o que significa que eles consideram o seu comportamento como não sendo de modo algum celerado e sim como perfeitamente lícito. Ilustrando essa tese, Locke abunda em descrições e exemplificações muito variadas, pitorescas e eficazes, concluindo: "E, se olharmos em torno de nós para veros homens tais como eles são, veremos que, em determinado lugar, eles têm remorsos por terem feito ou então deixado de fazer aquilo que, em outro lugar, as pessoas acham meritório."

e) Nem da própria idéia de Deus pode-se dizer que todos a possuem, porque há povos que "não têm sequer um nome para designar Deus, não possuindo religião nem culto."

2) Poder-se-ia levantar a hipótese de que, mesmo não as contendo em forma inata, o intelecto poderia "criar" as idéias ou, se assim se preferir, poderia "inventá-las". Mas a hipótese e categoricamente excluída por Locke. O nosso intelecto pode combinar de vários modos as idéias que recebe, mas não pode de modo algum dar-se a si próprio as idéias simples, como também não pode, desde que as tenha, destruí-Ias, aniquilá-las ou apagá-las, como já foi dito. Escreve Locke: "Nem mesmo o gênio mais elevado ou o intelecto mais vasto, por mais vivo e variado que seja o seu pensamento, tem o poder de inventar ou forjar uma só idéia simples nova no espírito, que não seja apreendida dos modos já mencionados, como também não pode a força do intelecto destruir as idéias que já existem.
O domínio do homem sobre esse pequeno mundo do seu intelecto é mais ou menos o mesmo que ele tem sobre o grande mundo das coisas visíveis, onde o seu poder, mesmo exercido com arte e habilidade, nada mais consegue além de compor e dividir os materiais que estão à disposição, mas nada pode fazer para fabricar a mínima partícula de matéria nova ou para destruir um átomo sequer daquela que já existe.
Quem quer que tente forjar em seu intelecto uma idéia simples não recebida de objetos externos através dos sentidos ou da reflexão sobre as operações do seu espírito encontrará em si essa mesma incapacidade.
Gostaria que alguém procurasse imaginar um gosto que nunca tenha sido experimentado por seu paladar ou fazer uma idéia de algum perfume cujo odor nunca tenha sentido: quando puder fazê-lo, eu estarei pronto a concluir que um cego pode ter idéia das cores e um surdo noções distintas dos sons."

3) O intelecto, portanto, recebe o material do conhecimento unicamente da experiência. A alma só pensa depois de ter recebido esse material. Diz Locke: "Não vejo portanto nenhuma razão para crer que a alma pense antes que os sentidos lhe tenham fornecido idéias nas quais pensar. E, à medida que as idéias aumentam de número e são retidas no espírito, a alma, com o exercício, melhora a sua faculdade de pensar em todas as suas várias partes.
Em seguida, compondo essas idéias e refletindo sobre as suas próprias operações, aumenta o seu patrimônio, bem como a sua facilidade de recordar, raciocinar e utilizar outros modos de pensar."

Eis agora um texto que se tornou muito famoso, no qual Locke retoma a antiga tese da alma como "tabula rasa", na qual só a experiência inscreve os conteúdos: "Suponhamos portanto que o espírito seja, por assim dizer, uma folha em branco, privada de qualquer escrita e sem nenhuma idéia. De que modo virá a ser preenchida? De onde provém aquele vasto depósito que a industriosa e ilimitada fantasia do homem traçou-lhe com variedade quase infinita? De onde procede todo o material da razão e do conhecimento? Respondo com uma só palavra:
da experiência.
É nela que o nosso conhecimento se baseia e é dela que, em última análise, ele deriva."

São esses os pontos básicos do empirismo de Locke.
É sobre eles que o filósofo constrói todo o seu edifício, do modo como veremos agora.

4. A doutrina lockiana das idéias e a sua construção geral

A experiência de que se falou até aqui é de dois tipos:
nós a) experimentamos objetos sensíveis externos ou então
b) experimentamos as operações internas do nosso espírito e os movimentos da nossa alma. Dessa dupla fonte da experiência derivam dois diferentes tipos de idéias simples.

a) Da primeira, derivam as idéias de sensação, sejam elas dadas por um único sentido (como as idéias de cor, som e sabor), sejam elas dadas por vários sentidos (como as idéias de extensão, figura, movimento e imobilidade).

b) Da segunda, derivam idéias simples de reflexão (como as idéias de percepção e de volição ou idéias simples que brotam da reflexão em conjunto com a percepção, como as idéias de prazer, dor, força etc.).

As idéias estão na mente do homem, mas fora há alguma coisa que tem o poder de produzi-las na mente. Locke denomina esse poder que as coisas têm de produzir idéias em nós com o termo pouco feliz de "qualidade" (que foi buscar sobretudo na física da época): "Chamo de idéia tudo aquilo que o espírito percebe em si mesmo ou que é objeto imediato da percepção, do pensamento ou do intelecto; já o poder de produzir uma idéia em nosso espírito eu chamo de qualidade do sujeito em que reside tal poder.
Assim, por exemplo, uma bola de neve tem o poder de produzir em nós as idéias de branco, frio e redondo.
E chamo de qualidade os poderes de produzir essas idéias em nós assim como estão na bola de neve, ao passo que, enquanto sensações ou percepções do nosso intelecto, chamo de idéias."

Locke introduz tal distinção para poder acolher a doutrina já comum das qualidades primárias e das secundárias. As primeiras são "as qualidades primárias e reais dos corpos, que sempre se encontram neles (isto é, a solidez, a extensão, a figura, o número, o movimento ou o repouso) (...)".
As outras, as secundmais são do que os poderes de várias combinações das qualidades primárias", como, por exemplo, cor, sabor, odor etc.
As qualidades primárias são objetivas, no sentido de que as idéias correspondentes que se produzem em nós são cópias exatas delas.
Já as qualidades secundárias são subjetivas(pelo menos em parte), no sentido de que não se assemelham exatamente às qualidades que estão nos corpos, embora sejam por elas produzidas: "Na verdade, há qualidades que, nos objetos, são apenas o poder de produzir em nós sensações variadas, por meio de suas qualidades primárias, isto é, o volume, a figura e a consistência, juntamente com o movimento de suas partes imperceptíveis, como cores, sons, gostos etc." (As qualidades primárias são qualidades dos próprios corpos, ao passo que as secundárias derivam do encontro dos objetos com o sujeito, mas tendo sempre as suas raízes no objeto.)

Trata-se de uma doutrina de origem muito antiga. Demócrito já a havia antecipado em sua célebre sentença: Opinião a dor, opinião o amargo, opinião o quente, opinião o frio, opinião a cor; verdade os átomos e o vácuo." Galileu e Descartes a haviam reproposto sobre novas bases. E Locke a retomou, provavelmente, de Boyle.

Mas vale à pena ler uma passagem de Locke (pouco conhecida, mas importantíssima), na qual o filósofo envida o máximo esforço para garantir também a validade das qualidades secundárias: "Do mesmo modo como as idéias das qualidades originárias são produzidas em nós, podemos conceber também que sejam produzidas as idéias das qualidades secundárias, isto é, através da ação de partículas imperceptíveis sobre os nossos sentidos.
Com efeito, é evidente que há uma grande quantidade de corpos que são tão pequenos que, com os nossos sentidos, não podemos descobrir nem o seu volume, nem a sua figura, nem o seu movimento, como fica claro no caso das partículas do ar ou da água e de outras partículas ainda menores que essas ― talvez tão mais pequenas do que as partículas do ar e da água quanto estas são menores do que as ervilhas ou as bolinhas de granizo.
Suponhamos agora que os diversos movimentos, figuras, volumes e números de tais partículas, agindo sobre os vários órgãos dos nossos sentidos, produzam em nós as diversas sensações que temos das cores e dos odores dos corpos: por exemplo, que, através do impulso de tais partículas imperceptíveis de matéria, que têm figuras e volumes peculiares e diversos graus de modificação de seus movimentos, uma violeta faça com que as idéias da cor violeta e doce perfume dessa flor sejam produzidas em nosso espírito.
Com efeito, não é mais difícil conceber que Deus possa ligar essas idéias a tais movimentos, com os quais não têm nenhuma semelhança, do que é difícil conceber que ele tenha ligado a idéia de dor ao movimento de um pedaço de aço que atinge a nossa carne, movimento com o qual essa idéia não se assemelha de modo algum."

O nosso espírito é passivo no receber as idéias simples.
Mas, uma vez tais idéias recebidas, tem o poder de operar de vários modos sobre elas, particularmente de combiná-las entre si, formando assim idéias complexas, bem como o poder de separar algumas idéias de outras a que estão ligadas (e, portanto, de abstrair), formando assim idéias gerais.

Ocupemo-nos primeiro das "idéias complexas", que Locke distingue em três grandes grupos:
a) idéias de modos;
b) idéias de substâncias;
c) idéias de relações.

a) As idéias de modos são aquelas idéias complexas que, de qualquer modo que sejam compostas, "não contêm a suposição de existirem por si mesmas, mas são consideradas como dependências ou sensações das substâncias" (por exemplo, a gratidão, o homicídio etc.).

b) A idéia de substância nasce do fato de que nós constatamos que algumas idéias simples estão sempre juntas e, conseqüentemente, nos habituamos a supor que exista um "substrato" no qual elas existem e do qual brotem, embora não saibamos do que se trate.

c) As idéias de relações nascem de confronto das idéias entre si e da comparação que o intelecto institui entre elas. Cada idéia pode ser colocada em relação com outras coisas de infinitos modos (um homem em relação a outros homens, por exemplo, pode ser pai, irmão, filho, avô, neto, sogro etc. ).
E considerações análogas podem ser repetidas para todas as idéias.
Mas há idéias de relações que se revestem de particular importância, como, por exemplo, a idéia de causa e efeito, a idéia de identidade ou as idéias de relações morais, que servem de alicerce para a ética.

Podemos resumir e completar o que foi dito até aqui com o seguinte esquema (que extraímos de S. Vanni Rovighi, com leves retoques):
Já nos referimos também às idéias gerais que se originam da faculdade que o intelecto tem de abstrair. Pois agora falaremos delas, em conexão com alguns problemas estreitamente ligados a essas idéias.

5. A crítica da idéia de substância, a questão da essência, o universal e a linguagem
Já fizemos referência à concepção lockiana da substância e à crítica que ele faz a esse respeito.
Convém retomar agora essa questão, porque ela é essencial para a história do empirismo posterior, além de também sê-lo para a correta compreensão do filósofo.

Vejamos uma passagem que está entre as mais famosas do Ensaio
:"coisa que não sabia o que era. Assim, nesse caso, como em todos os outros casos em que utilizamosSe alguém quiser examinar a própria noção de substância pura em geral, verá que não tem nenhuma outra idéia dela senão a suposição de não sei qual sustentáculo daquelas qualidades que são capazes de produzir idéias simples em nós, qualidades que comumente chamamos acidentes.
Se perguntássemos a alguém qual é o sujeito ao qual é inerente a cor ou o peso, nada mais teria a dizer senão que se trata das partes sólidas extensas.
E, se lhe perguntássemos a que coisa são inerentes aquela solidez e aquela extensão, ele não se encontraria em posição melhor que a daquele indiano (...) que dizia que o mundo era sustentado por um grande elefante; perguntado sobre o que se apoiava o elefante, respondeu que sobre uma grande tartaruga; mas, quando lhe perguntaram sobre o que se sustentava essa tartaruga de casco tão grande, respondeu: sobre alguma palavras sem ter idéias claras e distintas, falamos como crianças, que, quando se lhes pergunta o que é tal coisa e elas não sabem, facilmente dão a resposta satisfatória de que é alguma coisa, o que, na verdade, quando dito por crianças ou por adultos, nada mais significa que não sabem do que se trata e que a coisa que pretendem conhecer e da qual pretendem poder falar é algo de que não têm nenhuma idéia distinta, sendo assim perfeitamente ignorantes dela e estando na obscuridade.
Portanto, a idéia à qual damos o nome geral de substância outra coisa não é do que o sustentáculo suposto, mas desconhecido daquelas qualidades que descobrimos que existem e que não podemos imaginar que existam sine re substance, sem algo para sustentá-las.
Então, chamamos esse sustentáculo de substantia, o que, segundo o verdadeiro valor da palavra, em inglês corrente se diz 'estar sob' ou 'sustentar'."

Note-se que Locke não nega a existência de substâncias, mas nega apenas que nós tenhamos idéias claras e distintas delas, considerando que o seu preciso conhecimento está fora da compreensão de um intelecto finito.
Entretanto, o nosso filósofo revela-se muito oscilante sobre esse ponto.
A polêmica que ele travou com o bispo Stillingfleet mostrou que, além de "idéias complexas" de substâncias, ele também falou expressamente de uma idéia geral de substância, que obteríamos por abstração.
Mas o conceito de abstração professado por Locke, como alguns estudiosos destacaram, não permitiria de modo algum chegar a tal idéia, ainda que de forma obscura.

Na realidade, o conceito de substância que Locke discute nada mais é do que um resíduo da pior escolástica, enfraquecido e privado de sua original e autêntica estatura ontológica.
Muito diferente era a concepção tomista da substância e bem diferente ainda a concepção de Aristóteles.
De modo que aquilo contra o qual Locke combate é quase que uma paródia das autênticas doutrinas substancialistas e usiológicas da metafísica clássica.

Mas a variação cartesiana da doutrina da substância (res cogitans e res extensa) também é lançada á crise por Locke com uma argumentação hipotética verdadeiramente assombrosa, mas interessantíssima:
"Nós temos a idéia da matéria e do pensamento, mas talvez nunca sejamos capazes de saber se um ente puramente material pode pensar ou não: com a contemplação das nossas idéias e sem a revelação, é impossível para nós descobrir se o Onipotente concedeu a algum sistema material, adequadamente disposto, o poder de perceber e pensar ou se, ao contrário, ruão conjugou estavelmente a uma matéria assim disposta uma substância imaterial pensante.
Com base nas noções que temos, conceber que, se assim lhe agradar, Deus pode acrescentar à matéria a faculdade de pensar está tão distante da nossa compreensão como conceber que ele acrescente à matéria outra substância com a faculdade de pensar, porque não sabemos em que consiste o pensamento nem a qual espécie de substância quis o Onipotente dar esse poder, que só pode existir em um ente criado graças à vontade e à bondade do Criador."

Entretanto, deve-se destacar como fundamental o fato de que, apesar da afirmação de que as idéias complexas são construções do nosso intelecto, nascidas da combinação de idéias simples (e que, portanto, só representam a si mesmas, no sentido de que são paradigmas de si mesmas, não tendo objetos correspondentes fora de si), Locke escreve expressamente que isso vale para todas as idéias, "exceto as das substâncias".
Em suma, apesar de suas críticas, Locke não chegou a ponto de negar a existência extramental das substâncias, embora isso tenha implicado em notáveis oscilações em sua doutrina.
(Recordemos que Locke reserva o mesmo privilégio também ao princípio de causalidade, tanto é verdade que se serve dele para demonstrar a existência de Deus, como veremos.)
Já a posição dos empiristas ingleses posteriores, particularmente a de Hume, seria bem mais radical.

Uma questão estreitamente ligada ao problema da substância é o da essência. Para a filosofia antiga, ela coincidia com a substância (cf. vol. I, p. 435). E, com efeito, Locke também escreve que a "essência real" seria o próprio ser de uma coisa, ou seja, "aquilo pelo qual ela é o que é", isto é, a estrutura ou constituição das coisas, de que dependem as suas qualidades sensíveis.
Mas tal "essência real", segundo Locke, permanece desconhecida para nós.
Aquilo que nós conhecemos, ao contrário, é a "essência nominal", que consiste naquele conjunto de qualidades que nós estabelecemos que uma coisa deve ter para ser chamada com determinado nome: por exemplo, ter certa cor, certo peso, certa fusibilidade etc., dá a certo metal o direito de ser chamado "ouro"; portanto, a essência nominal do ouro é o conjunto das qualidades exigidas para que demos o nome de "ouro" a certa coisa.
Mas nós não sabemos qual é a essência real do ouro.
Há certos casos em que a essência real e a essência nominal coincidem, como, por exemplo, nas figuras da geometria.
Tais figuras, porém, são construções nossas e é precisamente por esse motivo que a essência nominal coincide com a essência real.
Mas, nas demais coisas, a divisão permanece clara.
Daí deriva forte dose de nominalismo para a concepção lockiana de ciência, particularmente importante no que se refere à física.

E é precisamente do nominalismo de Locke que devemos falar agora.

Em conseqüência disso tudo, é claro que Locke encontra dificuldades para explicar a abstração.
No contexto das metafísicas clássicas, a abstração consiste naquele processo pelo qual se consegue captar a essência, extraindo-a através de progressiva desmaterialização mental do objeto.
Mas, dado que nega a essência real, ou melhor, a sua cognoscibilidade, Locke não tem outra saída senão a de considerar a abstração como separação de algumas partes de idéias complexas de outras partes.
Por exemplo: eu tenho a idéia de Pedro e de João; elimino desse complexo de idéias aquelas que não são comuns a esses dois indivíduos (gordo, louro, alto, velho etc.); mantendo então aquele conjunto de idéias comuns aos dois indivíduos, indicando-o com o nome homem;passo então a usá-lo para me representar também outros homens.

Portanto, para Locke, a abstração é uma parcialização de outras idéias mais complexas.
Com isso, Locke retoma e revigora o nominalismo da tradição inglesa, do qual Hobbes fornecera o mais recente exemplo.
Assim, pode-se compreender muito bem as conclusões que o nosso filósofo extrai no Ensaio: "Está claro que o geral e o universal não pertencem à existência real das coisas, mas são invenções e criaturas do intelecto, feitas por ele para o seu uso e correspondendo somente aos sinais, sejam palavras, sejam idéias." E as palavras são "gerais quando utilizadas como sinais de idéias gerais, podendo assim ser aplicadas indiferentemente a muitas coisas particulares; já as idéias são gerais quando usadas para representar muitas coisas particulares.
Mas a universalidade não pertence às próprias coisas, que são todas particulares em sua existência, incluindo as palavras e idéias que são gerais em seu significado.
Por isso, quando nos afastamos dos particulares, aquilo que resta de geral é somente uma criatura de nossa fabricação: com efeito, a sua natureza geral nada mais é que a capacidade conferida pelo intelecto de significar ou representar muitos particulares.
Os significado que tem é apenas uma relação que o espírito do homem acrescenta a esses particulares".

6. O conhecimento, o seu valor e a sua extensão

Em todas as variedade que descrevemos, as idéias são o material do conhecimento, mas não ainda o conhecimento propriamente dito, no sentido de que, em si mesmas, elas estão aquém do verdadeiro e do falso.
Não há conhecimento sem a percepção de uma concordância (ou então de uma discordância) entre idéias ou grupos de idéias, pois só então temos o verdadeiro e o falso. Escreve Locke: "Parece-me então que o conhecimento nada mais seja do que a percepção da conexão e da concordância ou então da discordância e do contraste entre as nossas idéias. Ele consiste apenas nisso."

Esse tipo de concordância ou discordância é de quatro espécies:
a) identidade e diversidade;
b) relação;
c) coexistência e conexão necessária;
d) existência real.

Ora, em geral, a concordância entre as idéias pode ser percebida de dois modos diferentes:
1) por intuição;
2) por demonstração.

1) A concordância entre as idéias que percebemos por intuição é aquela que temos pela evidência imediata. Diz Locke: "Nesse caso, o espírito não se dá ao trabalho de experimentar ou examinar, mas percebe a verdade como o olho percebe a luz, apenas dirigindose em sua direção.
Assim, o espírito percebe que o branco não é negro, que um círculo não é um triângulo, que três são mais que dois e igual a um mais dois.
O espírito percebe essa espécie de verdade tão logo vê as idéias juntas, por pura intuição, sem a intervenção de outra idéia.
E essa espécie de conhecimento é a mais clara e certa de que é capaz a fragilidade humana.
Essa parte do conhecimento é irresistível e, como o esplendor da luz solar, impõe-se imediatamente à percepção tão logo o espírito volte a sua vista naquela direção: não dá lugar a hesitações, dúvidas ou exames, pois o espírito é imediatamente tomado por sua clara luz.
E dessa intuição que dependem toda a certeza e a evidência de todo o nosso conhecimento ( ... )"

2) Temos a demonstração quando o espírito percebe a concordância ou a discordância entre as idéias, mas não imediatamente.
A demonstração procede mediante passagens intermediárias, ou seja, através da intervenção de outras idéias (uma ou mais, segundo o caso), sendo precisamente a esse "procedimento" ou "proceder" que chamamos de razão e de raciocinar.
O procedimento demonstrativo nada mais faz que introduzir uma série de nexos evidentes em si mesmos, isto é, intuitivos, para demonstrar nexos entre idéias não-intuitivos em si mesmos. Portanto, em última análise, a validade da demonstração fundamenta-se na validade da intuição. Basta, por exemplo, pensar na demonstração dos teoremas geométricos, que conectam algumas idéias cujo nexo não é imediatamente evidente através de uma série de "passagens", cada qual é imediatamente evidente.
Assim, a demonstração procede e se desdobra, através de uma série de intuições adequadamente concatenadas.

Tudo isso não propõe maiores problemas quando se trata dos primeiros três tipos de concordância ou discordância entre as idéias, de que falamos inicialmente ―
a) identidade-
diversidade;
b) relação;
c) coexistência e conexão necessária ―,
dado que, nesses casos, não se está saindo do círculo das idéias puras.
Os problemas, porém, surgem no caso
d) da existência real, no qual não está em questão a simples concordância entre as idéias, mas a concordância entre as idéias e a realidade externa.
E aqui volta a emergir o velho conceito de verdade como adequatio intellectus ad rem, como concordância entre as idéias e as coisas, acima da simples concordância entre as idéias
.
Locke procura resolver essa dificuldade admitindo que nós temos conhecimento:
1) da nossa existência através da "intuição";
2) da existência de Deus mediante "demonstração";
3) da existência das outras coisas por meio de "sensação".

1) Para justificar a afirmação de que nós temos consciência de nossa existência por "intuição",
Locke se refere a modelos tipicamente cartesianos, embora de modo mais destemperado: "Nada pode ser mais evidente para nós do que a nossa própria existência.
Eu penso, eu raciocino, eu sinto prazer e dor: alguma dessas coisas pode ser para mim mais evidente do que a minha própria existência? Se duvido de todas as outras coisas, essa mesma dúvida me faz perceber a minha própria existência e não me permite duvidar dela. Pois, se eu sei que sinto dor, é evidente que tenho uma percepção certa de minha própria existência, como da existência da dor que sinto.
Ou, se sei que duvido, tenho a percepção certa da existência da coisa que duvida, como do pensamento que eu chamo "dúvida".
A experiência nos convence de que temos conhecimento intuitivo de nossa própria existência e uma percepção interior infalível de que nós existimos.
Em todo outro ato de sensação, raciocínio ou pensamento, nós estamos conscientes, diante de nós mesmos, do nosso próprio ser.
E, a respeito disso, não nos falta o mais alto grau de certeza."

2) Locke demonstra a existência de Deus recorrendo ao antigo princípio metafísico ex nihilo nihil e ao princípio da causalidade, do seguinte modo: nós sabemos com absoluta certeza que há algo que existe realmente (cf. ponto 1); ademais, "por certeza intuitiva, o homem sabe que o puro nada não produz um ser real mais do que não possa ser igual a dois ângulos retos; se um homem não sabe que o não-ente ou a ausência de todo ser não pode ser igual a dois ângulos retos, é impossível que conheça uma demonstração qualquer de Euclides; por issso, se nós sabemos que há algum ser real e que o não-ente não pode produzir um ser real, essa é a demonstração evidente de que algo existe desde a eternidade, porque aquilo que não existe desde a eternidade teve início e aquilo que teve início deve ter sido produzido por alguma outra coisa".

Locke demonstra então que essa outra coisa de que deriva o nosso ser deve ser onipotente, onisciente e eterno.


É digno de nota o fato de que o "empirista" Locke considere que a existência de Deus é inclusive mais certa do que aquilo que os sentidos nos manifestam! Eis as suas palavras: "Por tudo o que foi dito, está claro para mim que temos um conhecimento da existência de Deus que é mais certo do que qualquer outra coisa que os nossos sentidos nos tenham imediatamente manifestado.
Ouso dizer, inclusive, que conhecemos que há um Deus com mais certeza do que conhecemos que existe qualquer outra coisa fora de nós.
E, quando digo que 'conhecemos', entendo que há em nós, ao nosso alcance, um conhecimento que não podemos deixar de ter se a ele aplicarmos o nosso espírito como fazemos a muitas outras investigações."

3) Segundo Locke, no que se refere à existência das coisas externas, já estamos menos certos do que em relação à nossa existência ou à existência de Deus.
Locke afirma que "ter a idéia de algo em nosso espírito não prova a existência dessa coisa mais do que o retrato de um homem possa tornar a sua existência evidente no mundo ou que as visões de um sonho constituam como tais uma história verdadeira".

Entretanto, está claro que, como não somos nós que produzimos as nossas idéias, elas devem ser produzidas por objetos externos.
Mas só podemos estar certos da existência de um objeto que produz a idéia em nós à medida que a sensação é atual.
Nós estamos certos do objeto que vemos (este pedaço de papel, por exemplo) enquanto o vemos e à medida em que o vemos, mas, quando ele é subtraído à nossa atual sensação, já não podemos ter certeza de sua existência (poderia ter sido rasgado ou destruído).

Todavia, esse tipo de certeza da existência das coisas fora de nós é suficiente para os objetivos de nossa vida.
Por fim, no que se refere, não à simples correspondência das idéias à existência das coisas, mas ao problema da conformidade das idéias às coisas (se e até que ponto as idéias reproduzem exatamente os arquétipos das coisas), remetemos o leitor a tudo o que dissemos sobre o problema da natureza, da essência, das qualidades primárias e secundárias.

7. A probabilidade e a fé

Logo depois dos três graus de certeza que descrevemos encontra-se o juízo de probabilidade, onde a concordância entre as idéias não é percebida (imediata ou mediatamente), mas somente "suposta".
Portanto, a probabilidade é só a aparência da concordância ou discordância, através da intervenção de provas em que a conexão das idéias não é constante nem imutável ou, pelo menos, não é percebida como tal, "mas é ou aparece tal as mais das vezes, sendo suficiente para induzir o espírito a julgar a proposição verdadeira ou falsa, ao invés do contrário".
Naturalmente, há diversas formas de probabilidade.
1) A primeira baseia-se na conformidade de algo com nossas experiências passadas (se houvermos experienciado que certas coisas sempre aconteceram de certo modo, podemos considerar provável que elas continuem a acontecer do mesmo modo ou de modo semelhante).
2) A segunda baseia-se no testemunho dos outros homens: neste caso, temos a maior probabilidade quando há concordância entre todos os testemunhos.

Há ainda uma forma de probabilidade que não diz respeito a dados de fato suscetíveis de observação, como aqueles de que já falamos, mas a outra espécie de coisas, como, por exemplo, à existência de outras inteligências diferentes das nossas (anjos) ou o modo profundo de operar da natureza (as explicações de certos fenômenos físicos). Nesses casos, a regra da probabilidade baseiase na analogia.

Por fim, há a fê à qual Locke garante o máximo de dignidade. Eis o seu texto principal sobre o assunto: "Além daquelas que mencionamos até agora, há outra espécie de proposições que exige o mais alto grau do nosso assentimento com base em simples testemunho, concorde ou não concorde essa coisa com a experiência comum e com o curso ordinário das coisas.
A razão disso é que tal testemunho é o de Um que não pode enganar nem ser enganado, isto é, do próprio Deus.
Ela inclui uma garantia que está além da dúvida, uma prova sem exceções.
Com um nome peculiar, ela é chamada revelação, ao passo que o nosso assentimento a ela é chamado fé, determinando absolutamente os nossos espíritos e excluindo perfeitamente toda hesitação, como faz o conhecimento.
E, assim como não podemos duvidar do nosso ser, também não podemos duvidar que seja verdadeira a revelação que nos vem de Deus.
De modo que a fé é um princípio estabelecido e seguro de assentimento e segurança, que não deixa lugar a dúvidas e hesitações. Devemos apenas estar seguros de que se trata de uma revelação divina e que nós a compreendemos exatamente (...)."

Locke estava convencido de que, em última análise, a fé nada mais é do que "um assentimento fundamentado na mais elevada razão".

8. As doutrinas morais e políticas
Muito menos rigorosas, ainda que interessantes, são as idéias morais e políticas de Locke, nas quais os estudiosos destacaram a presença de não poucas oscilações.
Vejamos as suas concepções básicas.

Como já vimos amplamente, os homens não têm leis e princípios práticos inatos.

O que leva o homem a agir e determina a sua vontade e as suas ações é a busca do bem-estar e da felicidade e, como diz Locke em uma sugestiva passagem, a sensação de inquietude em que se sente freqüentemente: "O que determina a vontade em relação às nossas ações?
Pensando bem, sou levado a crer que não existe, como geralmente se supõe, o bem maior que se tem em vista, mas sim certa inquietude (e, na maior parte dos casos, trata-se daquela mais premente) que aflige o homem.
É isso o que, de quando em vez, determina a vontade e nos impele para as ações que realizamos. Podemos chamar essa inquietude, assim como ela é, de desejo, que é uma inquietude do espírito pela necessidade de um bem ausente. Qualquer dor corpórea de qualquer espécie e toda perturbação do espírito é inquietude.
E a esta está sempre unido o desejo, igual à dor ou à inquietude experimentada, mas dificilmente distinguível dela. Como o desejo outra coisa não é do que a inquietude pela necessidade de um bem ausente, em referência a uma dor experimentada, a sua satisfação é aquele bem ausente.
E, enquanto essa satisfação não é alcançada, podemos chamá-la de desejo, já que ninguém experimenta uma dor da qual não deseje ser aliviado, com um desejo igual àquela dor e dela inseparável."

Locke não considera mais a liberdade no sentido de "livre-arbítrio", o que teria implicado em considerações metafísicas estranhas ao seu empirismo.
Por conseguinte, para Locke, a liberdade não está no "querer", mas sim "no poder de agir ou abster-se da ação".
Ademais, o homem tem o poder de "manter suspensa" a execução dos seus desejos, para examiná-los atentamente e ponderá-los, fortalecendo assim aquele poder concreto.

Como toda ética de fundo empirista, a ética lockiana não pode ser senão utilitarista e eudemonista. Escreve o nosso filósofo: "O bem e o mal ( ... ) nada mais são do que prazer ou dor ou então aquilo que nos propicia prazer ou dor.
Portanto, o bem e o mal morais são apenas a conformidade ou o desacordo das nossas ações voluntárias com algumas leis, através da qual o bem ou o mal é atraído para nós pelas vontades e pelo poder do legislador.
E aquele bem ou mal, aquele prazer ou dor, que acompanham a nossa observância ou infração à lei por decreto do legislador, é aquilo que chamamos de recompensa e castigo."

Ora, as leis às quais os homens comumente referem as suas ações são de três tipos diversos: 1) as leis divinas;
2) as leis civis;
3) as leis da opinião pública ou reputação.
Ou seja:
1) julgadas com base no parâmetro do primeiro tipo de leis, as ações humanas são "pecados" ou "deveres";
2) julgadas com base no parâmetro do segundo tipo de leis, as ações humanas são "delituosas" ou "inocentes";
3) julgadas com base no parâmetro do terceiro tipo de leis, as ações humanas são "virtudes" ou "vícios".

Na base da moralidade, portanto, está a lei revelada, que, aliás, Locke parece fazer coincidir com a lei "promulgada através das luzes da natureza", ou seja, com aquela lei que a própria razão humana pode descobrir.

Em seus escritos políticos, Locke teorizou aquela forma de constitucionalismo liberal pela qual se havia batido e que se concretizou na Inglaterra com a Revolução de 1688.

A monarquia não se fundamenta no direito divino.
Diz Locke que, embora em voga nos tempos modernos, essa tese não pode ser encontrada nas Escrituras nem nos antigos Padres.

A sociedade e o Estado nascem do direito natural, que coincide com a razão, a qual diz que, sendo todos os homens iguais e independentes, "ninguém deve prejudicar os outros na vida, na saúde, na liberdade e nas posses". São portanto "direitos naturais" o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à propriedade e o direito à defesa desses direitos.

O fundamento da gênese do Estado, portanto, é a razão e não, como em Hobbes, o instinto selvagem.

Reunindo-se em uma sociedade, os cidadãos renunciam unicamente ao direito de defenderem-se cada qual por conta própria, com o que não enfraquecem, mas sim fortalecem os outros direitos.

O Estado tem o poder de fazer as leis (poder legislativo) e de impô-las e fazer com que sejam cumpridas (poder executivo).
Os limites do poder do Estado são estabelecidos por aqueles mesmos direitos dos cidadãos para cuja defesa nasceu. Portanto, os cidadãos mantêm o direito de rebelarem-se contra o poder estatal quando este atua contrariamente às finalidades para as quais nasceu. E os governantes estão sempre sujeitos ao julgamento do povo.

Ao contrário do que sustentava Hobbes, para Locke o Estado não deve ter ingerência nas questões religiosas.
E, como a fé não é uma coisa que possa ser imposta, é preciso ter respeito e tolerância para com as várias fés religiosas: "A tolerância para com aqueles que discordam dos outros em matéria de religião é algo de tal forma consoante com o Evangelho e com a razão que é monstruoso existirem homens cegos a tanta luz."
9. A religião e suas relações com a razão e com a fé
Amiúde fez-se de Locke "deísta" ou "pré-deísta". Mas, em sua Carta ao Reverendíssimo Edward Stillingfleet, de 1697, Locke rejeita com firmeza o alinhamento aos deístas.

Na Racionalidade do cristianismo (obra tão freqüentemente mal entendida, que deu origem a uma série de polêmicas), Locke não pretendeu transformar o discurso do cristianismo em discurso racional: para ele, fé e razão constituem âmbitos diferentes.

O que preocupa Locke é compreender a revelação e estabelecer o seu núcleo essencial, ou seja, identificar quais são as verdades em que é necessário crer para ser cristão.
E o nosso filósofo chega à conclusão de que tais verdades se reduzem a uma só verdade fundamental: crer que "Jesus é o Messias", o que equivale a dizer que "Jesus é Filho de Deus". Não é que para Locke todas as verdades do cristianismo se reduzem somente a essa, mas sim que ela constitui o núcleo de verdade mínimo em que é necessário e suficiente crer para se dizer cristão. As outras verdades agregam-se a ela ou dela derivam.

Ademais, Locke não negou nem o componente sobrenatural nem o mistério no cristianismo. Por isso, o radicalismo deístico é substancialmente estranho ao filósofo.
A Racionalidade do cristianismo, assim como o Ensaio sobre as epístolas de são Paulo, são, na realidade, obras de exegese religiosa, com as quais Locke conclui o seu itinerário espiritual.

O mais recente tradutor e estudioso dessas obras de Locke sobre religião M. Sina, assim resume a mais nova interpretação sobre elas: "Locke não se detém (...) ― coisa bastante usual nos tratados dos teólogos da época ― no uso apologético da conformidade dos ditames da ética cristã com os da ética racional. Ele se propusera compreender a religião cristã, não a defendê-la, nem a transpor a doutrina revelada para expressões de perfeita conformidade racional.
Ele procura somente compreender a genuína doutrina do Evangelho, que, depois, terá o mérito de manifestar-se em toda a sua pureza e em toda a sua conformidade com os dados da razão. Com efeito, diz ele na Racionalidade do cristianismo: 'Se os filósofos cristãos os (= os pagãos) superaram em muito, podemos, porém, observar que o primeiro conhecimento das verdades a que eles chegaram deve-se à revelação, muito embora, tão logo elas foram ouvidas e consideradas, tenham sido imediatamente consideradas conformes à razão, a tal ponto que não poderiam ser contraditadas por nenhum meio.
Se aí está presente a comparação entre conteúdo revelado e conteúdo racional, entre os limites históricos da razão e a necessidade da pregação do Messias, não estamos então autorizados a ler toda essa obra de Locke numa linha de reivindicação racional.
Pelo menos em sua intenção original, o seu objetivo não era o de definir a concordância dos dogmas fundamentais do cristianismo com as doutrinas éticoreligiosas da razão humana, mas sim (...) o de auscutar a palavra de Deus naqueles temas em que a filosofia havia encontrado os mais árduos obstáculos."

O Pós-escrito à Carta a Edward Stillingfleet, escrito por Locke no castelo de Oates em janeiro de 1697, assim conclui: "A Sagrada Escritura é e sempre será o guia constante do meu assentimento.
E eu sempre lhe darei ouvidos, porque ela contém a infalível verdade sobre coisas da máxima importância.
Se pudesse, gostaria de dizer que nela não há mistérios, mas devo reconhecer que, para mim, eles existem e temo que sempre existirão.
Entretanto, onde me faltar a evidência das coisas, encontrarei um argumento suficiente para que eu possa crer: Deus disse isto.
Portanto, condenarei imediatamente e rejeitarei toda doutrina minha tão logo se me mostrar que ela é contrária a qualquer doutrina revelada na Escritura."

Trata-se de uma tomada de posição perfeitamente em harmonia com as premissas gnosiológicas doEnsaio.

10. Conclusões sobre Locke

F. Copleston (conhecido historiador inglês da filosofia) foi quem apresentou um juízo de conjunto mais comedido e convincente sobre o nosso filósofo: "Como fica claro em seus escritos, Locke foi homem muito moderado.
Empirista, quando afirma que todo o material do nosso conhecimento é fornecido pela percepção sensível e pela reflexão, mas não empirista (ou seja, empirista não extremista), quando não pensa que nós só conhecemos as coisas percebidas através dos sentidos.
De forma elementar, ele é (... também) racionalista, porque está certo do primado do juízo racional sobre todas as opiniões e crenças e porque desaprova a substituição de expressões emocionais e sentimentos em lugar de juízos fundados na razão.
Mas não é racionalista no sentido de desprezar a realidade espiritual, a ordem sobrenatural ou a possibilidade de revelação divina da verdade, que, embora não estejam em contraste com a razão, estão contudo acima dela, não podendo ser descobertas somente pela razão e também não podendo ser plenamente entendidas mesmo quando são reveladas.
Tinha aversão pelo princípio da autoridade, seja no campo intelectual, seja no político.
Foi um dos expoentes do princípio da tolerância, mas, avesso à anarquia, também reconhecia a existência de limites ao campo dentro do qual queria aplicar tal princípio.
Foi espírito religioso, mas distante do fanatismo ou do zelo excessivo.
Para concluir, não encontramos nele expressões brilhantes e geniais, mas sempre sentido de medida e bom senso."

E foram precisamente esse "sentido de medida" e esse "bom senso", expressos em obras escritas sem tecnicismos, num estilo acessível a todos, que garantiram ao filósofo fama notável.
O empirismo posterior procederia a uma rigorização do discurso lockiano, eliminando os pontos e doutrinas que permanecem no Ensaio por uma espécie de "lei da inércia".
Mas os pontos básicos da nova filosofia estavam lançados solidamente.

Sem o antecedente do Ensaio de Locke, não seria pensável nem compreensível a própria Crítica da razão pura de Kant (embora outros componentes importantes também tenham confluído nessa obra).

Além disso, sem o Ensaio de Locke também estaria faltando uma ponte fundamental entre Descartes e o iluminismo.


G. Reale, D. Antiseri, História da Filosofia, Vol. II, Edições Paulinas, São Paulo, 1990, pp. 504-528.

2 comentários:

  1. -.- boa tarde sou uma pesqueisadora desse site.. gostariia q vc colokasse mas resumido , ou seja organizado naum um texto enorme q com cores diferentes , e q naum ten nocao???
    e q eu queria pesqueisar nen axei nda pq o texto tem mil cores q nada ve com q eu quero pesquisar ok.. tome providencias mas rapidoo!!!
    boua tarde leticiia

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  2. Boa tarde
    Meu nome é juliana e eu preciso fazer um trabalho sobre John Locke mas esse texto é muito grande e as cores dificultam a leitura e alem de não conseguir achar o que eu desejava...
    Gostaria que modificasem o texto para melhorar a entender o conteuno condido nele.
    Sem Mais...
    Juliana...

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